Saiu como manchete a notícia de
que mais de meio milhão de estudantes tiraram nota zero na redação. Não deveria
gerar tamanha surpresa esse resultado. Ter dificuldades na elaboração de um
texto é coisa antiga, por certo, afinal a tarefa não é assim tão simples. A
novidade é apenas o quanto se está agravando, mas isto também já era de se
esperar. São os efeitos agora visíveis do idioma internetês, da forma como as
pessoas se comunicam através da internet e das novas mídias sociais. Num
contexto de comunicações abreviadas por frases formadas apenas por consoantes
ou idéias transmitidas por figurinhas está se tornando raro o domínio da língua
portuguesa.
O mundo, quase todo, aderiu em
massa às novas formas de comunicação. Salvos os que continuam a ler, pensar e
escrever normalmente, apesar de usarem as novas mídias, as pessoas que só se
comunicam por abreviações inventadas estão perdendo a capacidade de se
expressarem verbalmente. E, pior, perdendo a capacidade de refletirem, pois
isso demanda tempo e não há tempo a perder. Precisam estar conectadas a tudo
simultaneamente. A prosa perdeu enredo e as palavras foram telegraficamente
suprimidas; as opiniões resumidas em curtidas e não curtidas. No reinado das
imagens, o verbo perdeu lugar. Compartilham-se fotos, muitas fotos. Sempre sem
legenda, sem história contada, sem contexto. Uma imagem vale mais do que mil
palavras, essa parece ser a ordem de nossos dias. Os telefones com os quais
antes se conversava em situações excepcionais foram substituídos por celulares
e estes se tornaram smartfones, com total conexão a tudo, menos ao encontro de
vozes e a transmissão de conversas. Os aparelhinhos podem trazer mil programas,
mas não parecem estar favorecendo a comunicação e o entendimento entre as
pessoas. Fala-se menos, escuta-se cada vez menos. E as mensagens estão cada vez
mais primitivas, abreviadas à imperativa urgência da comunicação instantânea.
Foram-se as dúvidas entre dois ésses e cedilhas. Escreve-se de qualquer jeito e
se atira na rede o que vem na cabeça, sem passar por revisão ou pelo sensato
crivo da reflexão.
Como tudo que não se usa, a
linguagem com toda sua riqueza e variedade vem sendo atrofiada. Por falta de
uso, vai se perdendo a capacidade de pensar, refletir, escrever e até falar. Num
cruel paradoxo, a mais alta tecnologia está tornando primitiva a comunicação
escrita, subtraindo-a de recursos, exterminando sua riqueza formal e sua
capacidade expressiva. Saem de cenário as palavras e suas figuras, entram apenas
os personagens estáticos dos selfies, sempre sorridentes, sempre lindos, sempre
felizes, aparentemente. Nesse cenário, o meio milhão de notas zero na redação
do Enem é apenas a ponta do enorme iceberg de conseqüências da desconstrução da
linguagem.
Se o mundo acabasse agora e mais
adiante chegassem outros moradores, juntando os cacos das fragmentadas mensagens
dessa época registradas na internet, teriam eles grandes dificuldades de
entender essa nossa civilização. Talvez pensassem que éramos todos seres
linguisticamente muito primitivos. E não será isto o que coletivamente estamos
nos tornando?
(publicada no Jornal Agora em 24/01/2015)
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