domingo, 9 de maio de 2010

Reflexões sobre o rascunho publicado

     A minha crônica anterior foi publicada na versão de rascunho. Se tivesse o trabalho sido produzido em papel seria quase impossível confundir coisa com outra: riscos e flechas alertariam de que aquele texto não estava “limpo” para ser lido por outros olhos que não os meus. Como sempre faço, só enviei a crônica quando dei por concluído o trabalho, depois de lidas, relidas, cortes e recortes. Costumo ir tecendo idéias, alinhavando aqui e acolá e depois faço a redução necessária para ajustar o texto ao espaço da coluna. Entretanto, nestes fulminantes tempos virtuais, basta um toque de dedo para se cometer um equívoco e, no caso em questão, multiplicar seus efeitos por milhares de exemplares da edição do jornal. Acabei enviando à redação o arquivo que fora rascunho. Não há no texto palavras ou expressões a serem corrigidas. Só por vaidoso preciosismo republicaria o artigo, em sua versão correta.

     O erro, portanto, foi meu e não transfiro essa responsabilidade. Já basta aos leitores terem que suportar as constantes notas de “não fui eu que fiz”, “não era do meu conhecimento” ou os “a bem da verdade”. Nunca fiz e não vai ser com cabelos prateados que passarei a fazer parte da grande turma dos que se esquivam de responsabilidades, mas não os condeno. Consigo entender as causas de tantos maus exemplos e foi este o assunto que brotou de minhas reflexões. Vivemos os tempos do “recall”, termo que nos é imposto sem tradução por variadas empresas, encobrindo erros graves de fabricação de seus produtos. Como a expressão é para inglês ler, engolimos os chamados para consertos como se fossem gentis e cuidadosos agrados dos fabricantes. E seguem os autores anônimos construindo coisas que estragam, deixando serviços mal feitos ou pela metade, fornecendo dinheiro que rechear as roupas de políticos.

     Por outro lado ou talvez por inspiração em tantos modelos negativos, dotados de auto-estima e autoconfiança exacerbadas, é fácil observar que as pessoas estão ficando cada vez mais auto-indulgentes. Desculpam a si mesmas e não se constrangem ou acham necessário explicar suas faltas. Paradoxalmente, parecem cada vez mais exigentes e intolerantes com falhas alheias. A mesma pessoa que estaciona em fila dupla ou na vaga de portadores de deficiência, por exemplo, se exaspera com a mínima demora num sinal de trânsito, protestando com nervosas e grosseiras buzinadas.

     Mas todos desejamos um mundo melhor, menos violento, mais amoroso e pacífico, não é mesmo? A questão dos erros, nossos e alheios, tem bastante a ver com harmonia e entendimento. Medidas bem simples podem ser tomadas individualmente para melhorar a situação crítica que hoje sofremos. Pois para finalizar trago uma sugestão colhida em sabedoria muito antiga, que diz mais ou menos assim: tenha em mente que a perfeição lhe é impossível, mas exija sempre o máximo de si mesmo, buscando fazer o melhor que estiver ao alcance de seu esforço; porém desenvolva a tolerância e compreensão em relação a erros e falhas alheias. Recomendação aparentemente curta, cuja prática exige persistência, mas tem efeitos positivamente revolucionários para quem a adota.
                                             (publicada Jornal Agora - março 2010)

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