Caderno Mulher Interativa
01/03/2008
Tem coisas que espantam pelo que são ditas e, ainda mais, pela naturalidade com que são ouvidas e até aceitas como idéias válidas.
Numa noite dessas assistindo um programa de TV me deparei com o consultor Fábio Arruda, sendo entrevistado longamente sobre “normas de etiqueta em amizade”.
Dizia o palestrante: “para amigo não se pede dinheiro emprestado. Amigo não é banco!” Amigo endinheirado não tem dever de emprestar, nem deve ser incomodado pela posição conquistada, pois, se lá está é por ter merecido, explicou ele. “Afinal, se alguém teve sucesso o mérito é todo seu e dele devem ser os frutos e usufrutos”. Por analogia, quem passa por dificuldades, deve merecer as adversidades e a elas resignar-se. Tem que aceitar e nada pedir ou mesmo esperar de ajuda alheia, principalmente de seus mais sagrados amigos. Amigos não são para essas coisas...
O entrevistado, tomado de empolgação pelos aplausos do público e pelo olhar de admiração positiva do entrevistador, passou a debulhar todos os pecados capitais que um amigo jamais deve cometer. É determinadamente proibido pedir livros, CDs, DVDs emprestados, afinal é preciso respeitar ao máximo as coisas alheias. “Como se pode pedir uma coisa dessas a alguém? Amigo não é biblioteca e nem locadora.” Desfiou proibitivos categóricos. Não conte com apoio dos amigos, eles não foram feitos para isto, nem para aquilo, nem para coisa alguma. Amizade elegante, para cumprir suas regras canônicas de etiqueta, é uma relação individualista, de convivência não solidária: cada um que fique com o que é seu! Nada de trocas, favores e etc. Mesmo os problemas afetivos, emocionais ou familiares não devem ser divididos com ombros e ouvidos amigos. Amigo não é terapeuta...
A cada cláusula de regimento de amizade, mais aplausos e sorrisos coniventes, encantados com tanta sabedoria. “Amigo não é para isto e nem para aquilo...” E toda a nobreza e generosidade das melhores amizades foi sendo torcida e enxugada de sentido, murchando seu valor. Se não se pode contar nem com minúsculas ajudas de um amigo, a quem se pode pedir? Ao vizinho – que mal se conhece? Ou ao dono da mercearia da esquina?
Além daqueles antigos zoomórficos “amigo-da-onça”, “amigo urso”, “amiga cobra”, temos agora o amigo de etiqueta, o que não presta para nada e por tal mérito pode ser justamente chamado de “amigo imprestável”. Ainda bem que sempre poderemos contar com amigos que não se encaixem em nenhuma das categorias anteriores.
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