sábado, 17 de outubro de 2009

SIM, NÓS ACREDITAMOS!

     Deus é brasileiro, nós dizemos, repetimos e acreditamos. Deus nasceu aqui, Ele é nosso. Pronto!

     Por isso, inventamos coisas que ninguém no mundo pensou e que só aqui funcionam. E se não funcionam plenamente nossas criações geniais, que nos importa? O que vale é que nós acreditamos e nos basta isto. Somos movidos por uma fé inquebrantável.
    Um bom exemplo disto é que criamos o mais fantástico sistema de votação eleitoral. Não precisamos ter a trabalheira demorada de contar, recontar, conferir. Nossas eleições são sem cédulas, pós-modernas, totalmente digitais e nós acreditamos cem por cento na idoneidade de quem fez o programa e em todos que o controlam, pois sabemos que, seja lá quem for, são criaturas de ilibada conduta. Acreditamos, temos total fé em Deus e em nosso infalível, inviolável sistema eleitoral e em todas as gentes que dele se ocupam e que dele dependem.
    Os outros, aqueles alienígenas estrangeiros, vêm aqui, olham, bisbilhotam, mas nada entendem. Eles, criadores de céus e terras, inventores de hardwares e softwares, não conseguem decifrar nossa genialidade. Retornam a seus países, enrolados em sua racionalidade obtusa, incapazes de copiar, de reproduzir nossa agilidade. Continuam votando em grandes cédulas de papel e, pasmem, até lambendo os dedos para contar os votos manualmente. Como podem? Falta-lhes o que temos para dar e vender: falta-lhes fé. São dignos de pena. Eles não acreditam em votos que não sejam palpáveis, contáveis e recontáveis por várias mãos. Pobres povos ricos!
    Na área da Educação, inventamos o originalíssimo vestibular, pois não copiaríamos modelos estrangeiros. Temos mais fé em nosso taco, em nossa bola, em nossa ginga. Por aqui, cada universidade faz de seu jeito e a seu tempo, dando oportunidade para que os estudantes possam viajar pela extensa república dos estados desunidos, tentando exame aqui e acolá, próximo e alhures. Além desse aspecto turístico, o modelo criado possibilitou novos filões no mercado de cursinhos e apostilas. Temos fé de que este é um sistema muito melhor do que o de outras terras e de suas velhacas universidades; o jeito deles não nos serve.
    Sabe-se lá porque, mas ainda com toda a certeza e fé na boa vontade das ordens superiores, surgiu a brilhante idéia de criar mais uma prova, para tornar nosso excelente sistema ainda melhor.
    Na capital desta grande república, um dedicado grupo de especialistas de notório saber pedagógico elaborou um novo sistema de avaliação. A novidade logo foi absorvida, com a total confiança que sempre nos anima. Tudo ia maravilhosamente bem, como já é de nosso costume, até que uns amadores – só mesmo eles – tiveram a imprudente idéia de furtar um exemplar da nova prova. Ora vejamos! Só podiam ser amadores. Profissionais não seriam capazes de tamanha ousadia. Mas eles, meia dúzia de três ou quatro, fizeram a estripulia de tentar puxar nosso tapete, burlando a segurança das câmeras e fazendo escárnio da fé que temos em nossas instituições públicas e nas empresas que, por nos servirem, gozam de idêntico prestígio.
     E como ficaremos agora? Respondo eu sem titubear: ficaremos na mesma.
    Nós continuaremos a acreditar e essa boa fé nos protegerá.
    Nada e ninguém, nenhum escândalo, nenhuma falcatrua, vai nos fazer deixar de acreditar nas idôneas autoridades que nos governam, sempre imbuídas de boas intenções, elevado espírito público e eficientes projetos. Nossa fé canônica os reveste de uma plena e eterna confiança.
    Sim! Nós acreditamos.* Tudo segue absolutamente como antes estava, pois Deus é brasileiro e nossa fé eternamente inabalável.
    Amém!
(*também acreditamos em coelhinho da páscoa, papai Noel, etc,etc)
Publicado Jornal Agora
Caderno Mulher 17/10/2009

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