segunda-feira, 21 de março de 2011

O Show Precisa Parar

“Tratem bem a terra.
Ela não foi dada a vocês por seus pais,
mas foi emprestada a vocês pelos seus filhos.
Nós não herdamos a terra dos nossos ancestrais,
mas a tomamos emprestada das nossas crianças. ”*


     O mundo treme num mar de vítimas. As diárias notícias de novas tragédias passam a fazer parte do cotidiano. Enquanto muitos se deparam com a falta de tudo, alguns ajudam, mas outros tantos - o grosso das tropas - continuam se divertindo, vendo a banda, a novela, o BBB, o tempo e a vida passar.

     Mais um tremor, tsunamis, explosões, dores por todos os lados. Notícias cada vez mais trágicas deixam de serem chocantes. O show não pode parar e, entre notícias sérias, continua o efervescente festival das banalidades. Prossegue a vida de entretenimento, de distrações e passatempos; o jogo do faz de conta dos assuntos triviais. Na TV, num mesmo bloco de notícias são apresentadas cenas trágicas de lugares próximos e distantes; seguidos dos jogos da rodada. Tudo comentado brevemente e colocado no mesmo patamar de importância. Que cresça eternamente o produto interno bruto e aumente o consumo sempre e sempre. Os países seguem competindo na capacidade de produzir cada vez mais, para gastar cada vez mais. O mantra do consumismo hipnotiza consciências e anestesia a capacidade de perceber a realidade. Na ilusão da riqueza a total negação da gravidade do que se anuncia todos os dias.

     A Terra adernou 25 graus, mudou seu eixo e, enquanto os especialistas divergem sobre a possibilidade de conseqüências, a orquestra toca animada para distrair os passageiros. Segue a TV em sua programação normal. Foi no Japão, tão distante. Não há com que se preocupar. Foi em São Lourenço do Sul, não foi aqui. Migrações ecológicas começam a acontecer num movimento triste de gente que perdeu tudo e não sabe e nem tem para onde ir. Mas parece que enquanto não estiverem batendo na nossa porta o assunto não nos pertence e nunca nos atingirá. A inundação acontece em nossa cidade, mas se não acontecer na nossa rua, na nossa casa – o assunto não nos envolve. Se as autoridades tão bem pagas para nos representar e resolver as questões coletivas não fazem o suficiente, porque faríamos nós? Quantas ilusões! Quanta alienação!

     É tempo de mudar de ponto de vista, de olhar a vida e o mundo a partir de uma perspectiva mais ampla e duradoura. Não herdamos a terra, ela não nos foi dada. Apenas a tomamos emprestada daqueles que nela viverão após nossa passagem, como sabiamente diz o antigo provérbio indígena colocado em destaque ao início desta crônica. Colocando a mão na consciência: temos sido inquilinos negligentes e egoístas. É momento de escolher outras prioridades. Se há saída, ela é pela via de uma vida mais simples, com menos, cada vez menos coisas, menos apegos, menos ambições, menos vaidades. Uma vida com mais senso de responsabilidade. A transformação pessoal talvez represente um grão de areia ou uma gota d’água diante da indiferença geral, porém é de gotas d’água que se formam os oceanos e de grãos de areia que são feitos os desertos.

(*) Antigo provérbio indígena americano, citado no Boletim O Teosofista: http://www.filosofiaesoterica.com/ler.php?id=1123
publicada em 19/03/2011



segunda-feira, 14 de março de 2011

Domar O Coração


     Atitudes de fúria súbita fazem pensar no que faria um ser humano se despojar de toda sua humanidade e agir como o mais feroz dos animais. Os crimes movidos por doentias paixões existem desde tempos remotos, inspirando o teatro e o cinema com enredos trágicos. Embora pairem no sombrio território da loucura, gozam de certa complacência. De algum modo, os amores loucos encantam, ainda que assustem.

      Diferentes são os atos praticados sob violenta emoção motivados por pura raiva. Cada vez mais freqüentes e variados, esses crimes de ódio são um sinal do crescente desequilíbrio coletivo. Uma sociedade calcada sobre valores equivocados, individualistas, materialistas, nem deveria se espantar de estar gerando – como subproduto - pessoas intolerantes, arrogantes, egoístas, prepotentes e tantos outros adjetivos negativos. Pessoas narcisistas que amam menos outras pessoas, mas são apaixonadas por coisas e se comportam como birutas de aeroporto, seguindo os ventos ditados pela mídia, são seres vulneráveis, com limitada capacidade de pensar e baixa capacidade de resistir a frustrações.

     Para piorar, popularizou-se que sadio e normal era dar vazão às emoções. Várias teorias científicas ratificaram a idéia de que não se devesse reprimir afetos. Da era da repressão, da contenção, escorregou-se para o tempo dos imperativos do coração, do seguir cegamente os impulsos, do buscar satisfazer todos os desejos, independente do que isto custasse. O resultado está agora se tornando nítido para quem queira ver e refletir.

     O coração é um músculo instável, sensível as sutilezas das emoções. O músculo cardíaco reage instantaneamente diante das emoções vividas e o cérebro tem dificuldade de pensar quando o coração está agitado demais. A relação de mútua interferência cérebro-coração reverbera emoções, que se repetem em eco e levam a um colapso temporário por excesso de estímulos, restringindo a capacidade de raciocínio. Se os batimentos aceleram e a pessoa não está correndo, o cérebro fica confuso, tem dificuldade de saber o que está acontecendo e, por isto, acaba pensando errado, agindo errado.

     Compreendendo este funcionamento é fácil entender que, assim como o exercício físico amplia a capacidade cardíaca e o coração passa a bater menos para fazer mais movimento, é possível “treinar” para desenvolver resistência cardíaca aos solavancos existenciais e suas freqüentes frustrações. Quem desejar não ser refém dos imperativos emocionais precisa domar seu coração para ser capaz de pensar – sempre – antes de agir e até mesmo de falar. Essa é a maior liberdade e o maior poder que alguém pode conquistar: domar o próprio coração.

Publicada em 05/03/2011