terça-feira, 14 de junho de 2011

O Boato e A Onda

     No meio do caminho havia uma pedra, havia uma pedra no meio do caminho...

     Era para ser só a inspiração do poeta, mas alguém passou e contou que havia uma pedreira no caminho, quem ouviu acrescentou que a pedreira havia desmoronado. Outro ouvinte da história levou o caso adiante, acrescentando muitas mortes e a pedra se tornou trágica notícia. Assim se fazem os boatos, de conto em conto, cada um aumenta um ponto.

     Pois por dias a fio ouvimos, aqui e acolá, a história de uma onda gigante que cobriria a cidade, assolando toda a região. Os comentários davam conta de detalhes sórdidos, pormenores dignos de testemunhas oculares: o pânico teria tomado conta da cidade, muita gente estaria vendendo as casas a preço de banana, não haveria mais passagens de ônibus para fugir do município... O disse me disse era trazido aos pedaços, como retalhos de coisa mal contada, passada de boca em boca, enfeitada com pinceladas ao gosto de cada falante, ao sabor prazeroso de uma diversão um tanto sádica. Boatos são sempre assim. São da ordem do ouvir dizer, sem autoria assinada em baixo, via de regra, anônimos. Um anonimato um tanto covarde, diluído num sujeito coletivo, num plural indeterminado. Todos falam por terem ouvido dizer, ninguém viu, ninguém quer assumir a responsabilidade de autor nem de testemunha.

     Boato se movimenta como onda, vai ganhando força, se agigantando, tornando-se assustador. O movimento de arrasto das coisas recontadas é terrivel porque o jogo das forças toma uma espiral de potência, multiplica seu poder devastador no acréscimo das ênfases e distorções. Quanto mais é ouvido e repetido, mais se torna digno de confiança. As pessoas entram na onda, literalmente. Recebem e retransmitem uma notícia no embalo da própria convicção e, quanto mais a cena vai sendo reproduzida, reforçada pelos caprichosos acasos da vida, pelas coinscidências tomadas como indícios de confirmação, mais ganha forma verossímil.  Boatos podem se tornar muito destrutivos, como uma tsunami, podem destruir vidas inteiras, alterar destinos.

     Mas porque as pessoas espalham boatos, repassam histórias e fatos que não são verdadeiros? Falta de assunto? Vontade de enganar o próximo? Muito difícil atribuir apenas a tão mesquinhos motivos, ainda que estes por vezes ocorram.

     Por certo, há certa cumplicidade maledicente entre a curiosidade e a maldade. Mas existem as maldades bem intencionadas, sim, tanto quanto os amores mal intencionados. A vida é feita de contraditórios irônicos. Maldades completamente ingênuas, não-premeditadas, sem vínculo de interesse, sem intenção ou com a s melhores  - e mais equivocadas intenções.

     Talvez eu tenha uma visão otimista do ser humano, mas considero que a maioria das pessoas alimenta boatos como quem dá comida a um bicho feroz, sem se dar conta dos perigos envolvidos.

     Termino de escrever ste artigo ao som de uma chuva fina, meio chocha, um vexame para a anunciada tempestade. A gente aprende com a vida, para isto são muito valiosos os enganos. Quem sabe nossa experiência coletiva com os rumores da tsunami riograndina nos leve à reflexão crítica e faça nossa aldeia crescer e aprender a dar menos crédito a boatos. Se for assim, terá sido preciosa a situação.

Publicada em 26/11/2005
Caderno Mulher - Jornal Agora
* inspirada na notícia corrente na época
de uma tsunami que destruiria
a cidade de Rio Grande


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