Com que idade a criança pode sozinha atravessar a rua ou ir à escola? A resposta depende principalmente de quem sejam seus pais.
Crianças pobres muito cedo aprendem a cuidar de si mesmas e a se orientarem no espaço por onde circulam. É coisa dada por ordem da necessidade. Vez ou outra alguma tragédia acontece, mas é fato isolado, até raro estatisticamente falando. Crianças de periferia continuam aprendendo precocemente a andarem sozinhas pelas ruas. Muitas vezes aprendem a se equilibrar em bicicleta de adulto, com a perna enfiada no quadro, em complicado malabarismo. Quando há um irmão disponível, recebem o empurrãozinho amigo que abrevia o aprendizado. Com quase nenhum cuidado, o irmão mais velho se despacha logo da tarefa e solta o pequeno, sem medo e nem culpa do tombo certo. Com a naturalidade da cena, a criança percebe que não há porque temer os esfolados na pele provocados pelas quedas. Seca as lágrimas com as mãos sujas, prossegue tentando e aprende. Aprender sem medo é mais fácil, estimula a autoconfiança, embora envolva muitos riscos. Faz sentido essa forma de aprendizado, afinal uma das habilidades mais valiosas nas situações de pobreza é aprender a se equilibrar. Será preciso equilíbrio de malabarista para se manter em pé em ônibus lotados, embarcar e descer com o veículo em movimento e no futuro sobreviver com salários insuficientes.
Bem diferente e mais difícil é aprender a andar quando a bicicleta vem com rodinhas dos lados. Por vezes a cena acaba ficando ridícula. A bicicleta se torna pequena, a criança cresce e continua com falta de coragem de se aventurar aos riscos necessários para se soltar. Ou desiste sem aprender ou sofre mais tempo do que o necessário. Semelhante retardo acontece com as crianças conduzidas em vans escolares por longos anos. Elas têm maior dificuldade de conhecer o caminho de casa e só tardiamente sabem atravessar as ruas sozinhas. Aprendem, mas demoram mais para isso. Quanto mais se sobe o olhar na escala social, maior é o aparato de segurança e proteção em volta dos filhos, criados em redoma de cristal por largo período. Conclusão óbvia: é mais demorado ensinar e aprender quando a vida é farta, servida em bandeja e amparada por rodinhas.
A infância é a etapa preparatória para a vida adulta, sendo permeada pela adolescência, que será prolongada se houver amparo familiar, mas quase inexistente se faltar tal suporte. Neste último caso, a criança salta diretamente para a vida de adulto, para o mundo do trabalho, com poucas chances de seguir estudando. A fase juvenil, nos dias presentes é mais a complexa. Rompidos os ritos de passagem que definiam claramente cada momento da vida, os bem nascidos prolongam sua infantilidade e vivem como crianças grandes até próximo a terceira década de existência. Saltam das vãs escolares, para as liberadas baladas noturnas e para o carro próprio, tudo subsidiado pela família. Já o grande grupo dos sem rodinhas pode se salvar pelo precoce trabalho honesto e seguir para uma vida digna. Corre, porém, alto risco de canalizar suas frustrações para baladas pesadas e se converter ao mundo criminoso.
Com rodinhas ou sem rodinhas, nunca foi tão difícil e tão necessário ensinar, educar as crianças, preparar os jovens, pois o mundo nunca foi tão complexo e tão contraditório.
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