quarta-feira, 23 de setembro de 2009

1/2 SÉCULO

Publicada no Jornal Agora
Caderno Mulher Interativa
27/09/2008
    Em meu imaginário, um século é como um pedaço significativo de eternidade, um longo tempo. Por estar vendo muita gente pensar que a vida é eterna e que o tempo não passa, pensei em converter a duração da existência em século - faz o percurso vital tomar outra dimensão e desfaz a maquiagem pós-moderna. Por exemplo: 50 anos se tornam 1/2 de século. Metade de qualquer coisa não é parcela desprezível; metade de um século é muita coisa. É o limite, a partir do qual se passa a ter cada vez menos do que se tinha; se sabe que a maior parte já se foi, já era! Mas na era do disfarce, do colágeno e do botox, meio século se tornou apenas cinqüenta belos anos. A prata do tempo é transformada em louros cabelos, os músculos sustentam a juventude com ajuda da academia de ginástica e a vida prossegue adoçada de juvenis ilusões.

     Pode parecer assim, mas é mera aparência, pois a primeira metade da vida é completamente diferente da segunda. E, cá entre nós, raras são as pessoas que cumprem um século de existência, portanto, já há certa dose de generosa ilusão na expectativa de que a vida seja secular.

     Para ajustar a perspectiva quem sabe visualizar como nos marcadores de potência dos veículos, que informam o valor máximo, mas assinalam a margem final em faixa vermelha, alertando para o perigo de seu uso.

    Pois os 20% finais de nosso hipotético século de existência deveriam ser assinalados na mente em vermelho forte, como um bônus que - por mérito ou por destino - poderá ou não nos ser oferecido.

     Além da referência numérico-simbólica de transformar a existência em frações de século, para ficar mais clara a dimensão da passagem do tempo, seria interessante colocar o percurso numa linha curva: metade da existência na linha ascendente e a outra metade na descendente. Quem tem uma percepção visual enxergará nitidamente que a vida vai passando e a primeira metade é num curso de subida, após o qual o rumo é descendente - sem chance de mudar a rota de sua curva. Recursos estéticos sofisticados podem transformar a aparência e melhorar o desempenho, mas não dão a mínima chance de que voltemos a encontrar subidas pela frente. Como o caminho é de irreversível descida, é bom puxar o freio da prudência, diminuir o peso da bagagem e dispensar tudo o que for da ordem do desnecessário, pois para baixo todos os santos ajudam e alguns anjos travessos atrapalham.

     Mas, para que pensar nisso? Para valorizar ao máximo nossa efêmera existência, para perceber que a vida corre, flui na rapidez de instantes únicos e que cada fase é preciosa, imperdível.

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