segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Natal dos Figurantes


     A maratona de compras, o malabarismo das contas, os comes e bebes, qual o sentido de tudo isto? Por vezes, aé se perde de vista o significado da celebração. No meio de tanto o que fazer, acaba o essencial ficando oculto.
     O significado é algo da ordem da atribuição e não da coisa em si mesma - independente do que seja e do valor intríseco que possua.
     É fácil escorregar nos modismos, ceder à tortura insistente dos apelos da mídia. Mas o Natal é algo mais transcendente e não há forma mais gratificante de vivê-lo do que numa partilha generosa e solidária. Solidariedade está em alta, virou moda, se fala e se faz muita coisa m nome desta palavra comprida. Por telefone, pela internet, na saída do supermercado, muitas são as vias para doar alguma coisa aos que mais precisam. Solidariedade on-line, 24 horas - bem cosmopolita. A culpa social fica aliviada em alguns minutos, a custo acessível.  Tudo isso é muito bom, essas redes de solidariedade são indispensáveis, mas precisamos avançar mais. Precisamos ser também capazes de entregar em mãos nossa cota social.
     Muitas pessoas circulam nossa vida, sem nunca adentrar à sala, sentar à mesa, receber um bom dia. Gente sem nome nem rosto, sem história, figurantes em nossas vidas. Alguns são figurantes tão próximos que chegam a participar de cenas importantes de nosso contidiano, mas sempre na posição coadjuvante dos personagens secundários. Prestam serviços subalternos - via de regra tão pesados quanto mal pagos. Participam, falam, mas não opinam. Gente maltratada pela vida, acostumada a fazer seu trabalho penoso sem receber o obséquio de mínimas atenções, sem ser olhada no rosto, sem ser chamada pelo nome, sem por favor e nem muito obrigado.  Os serviçais fardados e os desempregados, que guardam carros, catam o lixo, varrem ruas, faxinam casas, fazem mil pequenas indispensáveis tarefas.  Exército de valiosos figurantes. Sempre próximos, sempre invisíveis. Dispensar-lhes atenção nestas datas é o mínimo que se pode fazer, mas não é comum que se faça.
     Não sou afeita  a receitas de vida, mas sugiro que se experimente neste Natal doar pessoalmente alguma atenção direta para um desses personagens do esquecimento. Experimente doar pessoalmente algo minimamente generoso, que faça diferença para quem recebe e descubra quanto a felicidade pode custar pouco. Aquele dinheiro que crianças tiranas recusam para o lanche, será motivo de um agradecimento emocionado. Gente que vive de moedas não está acostumada com cortesia, se comove diante de um minimo trocado que, para sua vida, pode fazer uma imensa diferença. A passagem de ônibus de volta para a casa (R$1,50) evitará a caminhada de horas; alguns pães a mais (R$ 2,00), o almoço para toda a familia por apenas 5 reais. Como tão pouco dinheiro pode fazer tanta diferença? Pode, claro que pode. O Natal dos Figurantes é absurdamente barato, é a prova dos nove da desigualdade social. Essa atitude natalina pode ser revolucionária: pessoalmente  terapêutica e socialmente transformadora.
     As luzes de Natal podem perdurar se forem acessas com o brilho da partilha, da tolerância, da compreensão, do amor e da solidariedade. Feliz Natal a todos.
Publicada em 18/12/2004
Jornal Agora -Caderno Mulher

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