Nada lhes pode fazer graça: tudo é só desgraça. Se alguma coisa parece boa, logo tratam logo de arruiná-la. Estão organizando uma festa? Então começam a sofrer desde o inicio: reclamam das despesas, se queixam dos afazeres necessários. Estão num bom emprego? Ah, certamente acharão o serviço péssimo. Se conseguirem um bom trabalho, reclamarão do salário. Se o salário for bom e o serviço melhor ainda, restará a possibilidade de sofrerem com os colegas ou reclamar do imposto da renda. Sua vida parece um novelo enredado de encrencas: pouca diferença existe se estão a serviço ou de férias; sozinhos ou acompanhados. Nada muda seu existir, pois são especialistas em arranjar sofrimento.
Quase nem respiram, o ar flui por suspiros. Sem perceber, não se permitem forma alguma de felicidade. Nunca dirão estarem bem, nem para constar. Mesmo num rápido encontro de elevador conseguem narrar seu sofrer. Estão sempre de mal a pior. E assim, vão arrastando a vida, ou se arrastando pela vida, incapazes de desfrutar o lado mais leve da existência. Sempre se auto-flagelando, chicoteando a alma com sua espinhosa ladainha de queixas.
Sua existência é uma expressão dramática, que namora, mas nunca casa com o trágico. Com a ânsia de quem aguarda a chegada do grande amor, esperam a tragédia que pensam iminente. Porém nunca chega a dor de real desgraça que lhes poderia salvar de seus mil imaginários pesares. Por isso, prosseguem vida afora no interminável script de lamentações.
A Volúpia de Parecer Sacrificado (ou sacrificada) não é encontrada com freqüência, mas não se pode dizer que sejam raros casos. Certamente qualquer pessoa consegue identificar no seu horizonte próximo alguém cuja vida é costurada com queixumes. Provavelmente, já tenha até tentado ajudar: uma, duas, várias vezes, até o momento que perdeu a ilusão. Descobriu o traço mais típico da Volúpia de Parecer Sacrificado: a enorme resistência à mudança. São criaturas que não se entregam facilmente a uma ajuda. Diante de uma solução, logo criam novo problema e prosseguem a arrastar correntes, devotadas ao seu papel de mártir de uma vida de provações.
A Volúpia de Parecer Sacrificado não se ajusta às patologias descritas nos manuais psicológicos ou psiquiátricos: é um tipo de jeito de viver, de vibração existencial. Esse viver em eterno calvário pode suscitar até piada, mas deveria apenas inspirar compaixão, pois é um completo desperdício de vida.
Publicada em 27/11/2010
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