Publicada no Jornal Agora
Caderno Mulher Interativa
19/07/2008
A gente percebe que envelheceu quando começa a fazer coisas que antes pensava que era coisa de velho.
Coisas de gente velha? Tirar o pó, por exemplo. Quem é jovem nem nota essa coisa de pó. Eles têm ótima visão para perto – aquela que perdemos ao atravessar para a quarta década da existência, entretanto, a acuidade visual é de dedicação exclusiva para conferir espinhas e estrias ou detalhes mínimos do corpo, do traje e coisas do gênero.
Tirar o pó... Eu, que também já fui jovem, lembro bem como achava estranho aquela rotina matinal de minha avó, tirando o pó das coisas. Ela fez isto enquanto teve saúde. Como ritual religioso, afagava com o pano coisinha por coisinha. Eu nem via o pó que ela tanto limpava – e no entanto enxergava muito melhor do que hoje. O paradoxal é que a visão diminui seu poder de foco, mas amplia a capacidade de ver o que antes não percebíamos.
Eu me dei conta disto noutro dia, enquanto limpava o jardim e cuidava das plantas. Coisa de velho! Quem é jovem não tem tempo para essas trivialidades, vive correndo de um lado para outro. Quando a gente começa a tirar o pó, cuidar de plantas, fazer coisas do jeito como faziam os velhos que eram nossos tios, avós... não tem jeito: a velhice chegou. E não adianta ficar fazendo isto e mais aquilo para driblar a passagem dos anos: envelhecemos.
Com o tempo vão chegando modos de ser e de pensar diferentes. A ordem de nossas prioridades se altera progressiva, mas inexoravelmente. Isso é natural e necessário para que possamos atualizar nossa existência à transitoriedade. Somos seres transitórios, com prazo de validade limitado e para lembrar disso a sábia natureza estabeleceu demarcadores no corpo e na alma, são as ressonâncias do tempo.
A gente não envelhece de repente, de uma hora para a outra, de um minuto para outro. Mas é na rapidez de um instante que cai a ficha do insigth e percebemos, de súbito, o tempo passado e os efeitos marcados. Tornamo-nos outros. Dá para tentar com mil artifícios resistir e reparar as marcas estéticas, mas a briga é inglória. É apenas uma questão de tempo e ele, o tempo, vencerá.
O tempo a todos vence: aos impacientes, aos vaidosos, aos poderosos, aos belos, aos feios, aos ricos, aos pobres, aos inteligentes, aos cultos, aos torpes. Ninguém, absolutamente ninguém, a ele supera ou sobrevive. É o senhor da vida. Um senhor de várias faces, que se apresenta pródigo, generoso e tolerante ao início, mas vai, aos poucos, lentamente, mudando de cara e de ânimo. Torna-se sisudo e exigente, depois rabugento e intransigente. Deixa de perdoar nossos menores enganos e cobra caro por qualquer pequena mancada. É quando não há mais tempo para ser perdido, desperdiçado, devorado com pressa. Não. Não há mais pressa. A vida passa a ser sorvida em pequenas doses, saboreada lentamente e isto, quando vivido de modo sadio e equilibrado, se revela supreendentemente bom e gratificante.
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