Os sonhos mais lindos sonhei, de quimeras mil um castelo ergui. E no teu olhar, tonto de emoção, com sofreguidão mil venturas ergui... Segue a letra, figurando o amor em versos harmônicos, falando de um amor intenso, profundo, que faz com que um sorriso prenda, inebrie, entonteça. O amor vivido como poesia de corpo e alma, como poema divino cheio de esplendor. Assim eram as letras cantadas na voz imortal de Elis, que dava ainda mais vida e mais emoção a sentimentos de intensidade profunda, que se faziam eternos, enquanto duravam – e duravam muito mais do que uma noite.
Tudo radicalmente oposto ao refrão autocolante do cantor do momento. “Ai seu eu te pego” acompanhado de coreografia sugestiva é o ritmo bombardeado a todos os ouvidos, em qualquer momento ou lugar. Vale para animar a balada e para vender carro novo. É o refrão da estação. Mais um sucesso meteórico que enche a conta bancária e lustra a auto-estima do jovem artista de talento questionável.
Esse mundo abreviado parece combinar bem com o estilo dos refrães sexualmente apelativos. A vida corre, voa e os bailes foram substituídos pelas baladas frenéticas, embaladas a muito álcool e energéticos. Não há tempo a perder saboreando perfumes e sorrisos. O estilo atual é o da pegada, da consumação geral, da overdose de tudo. Se a história se repete em ciclos, reeditados em novo estilo, há um retorno ao tempo da selvageria sexual, no qual a mulher é agarrada e possuída sem necessidade de qualquer sedução prévia. É um pegar e largar geral, na penumbra das luzes pulsantes, que tornam impossível ver olhos e olhares. Na rapidez do provar bocas, não dá para sentir lábios e beijos, menos ainda se encantar com sorrisos. Esse retrato das festas e das noites explica o porquê do imaginário coletivo se identificar tanto com Teló. Como costuma acontecer com esses sucessos instantâneos, dá para imaginar vovós e vovôs dançando com netos em aniversários familiares ao som de “ai, ai, assim você me mata...” Tudo com a naturalidade própria da moda do vale tudo, sem guardar o senso de limites e de ridículo, como já aconteceu com a coreografia da “boquinha da garrafa” há algum tempo.
Elis e Teló representam as diferenças de época. Ela se eterniza com o passar do tempo, sem jamais ter lotado estádio com seu show. Ele, ancorado no sucesso de uma única música, se tornou garoto propaganda de qualquer coisa e multiplicará o público de seus shows, até que surja outro cantor de gênero semelhante. Elis e Teló nunca se encontraram e nem poderiam, pois são de planetas diferentes. Dele não se sabe dores e nem amores. Ele é um meteoro, que passa riscando o céu e desaparece no horizonte da noite. Ela viveu dores pungentes que lhe retiraram a cobertura de carne, lhe escorreram todo o sangue, afinaram seus ossos em fios luminosos e fizeram dela uma estrela. Ele é a musica que se exaure ao fim do verão, ela faz falta e traz lembrança após 30 anos de ausência.
Seus argumentos são válidos e respeitáveis. Há excessos na cultura de massa contemporânea e o apelo sexual nos invade e arrasta.
ResponderExcluirPorém, sou mais generosos com o cantor.
Ele é um cantor regional(Mato Grosso do Sul) que ganha a vida, honestamente, cantando o sertanejo local.
Esse hit lhe chegou como que do nada, uma descoberta.
O dinheiro oriundo desse sucesso é honesto.Acho que ele deve pagar os impostos.
Teló era um mortal desconhecido, como eu, até então.
Não acho a comparação adequada. Elis está em outro patamar da música, com outros propósitos.A comparação é inapropriada para ambos.
Quanto ao ritmo, é dançante, solar, brasileiro, combina com uma cultura brasileira e caribenha, cujas raízes ninguém combate.
É passageiro, mas nasceu com essa marca. Ninguém questiona que vai passar em um ou mais meses.É música para balada e festas, sim, como outras centenas. Não tem propósitos outros.
Sob o ponto de vista comunicacional, ela é sucesso porque nossos ouvidos, mente e corpo a apropriaram.Nós, os ouvintes e dançantes, como responsáveis pelo sucesso.
Assim, resumo em dois pontos: quem não se balança com o hit pode reclamar de sua repetição, sim. Mas, a rigor, não o vejo como uma praga e não repugno o cantor e seu trabalho.
Já vinha pensando em escrever sobre isso. Sua inteligente abordagem me estimulou.
Se permitir, irei publicá-la no meu blog e manifestar meu entendimento.
Gosto da sua escrita, gosto do passado pois sou historiador, mas acho que esse seu texto esquece um conselho da Elis, quando cantou o Belchior: "É você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem".
ResponderExcluirOs conservadores da geração anterior à da Elis também deviam ficar com ojeriza ao comportamento dela e o que ela representava, ao uísque, à cocaína, aos ácidos e aos amores plurais.