terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Os Descartáveis e a Missão Impossível



     Eram tempos muito remotos aqueles em que a TV exibia, em preto e branco, a série Missão Impossível. Cada episódio começava invariavelmente pela missão a ser cumprida, que vinha em fita gravada num pequeno aparelho. Ao final da audição, uma mensagem advertia de que a mensagem se autodestruiria em cinco segundos, o que acontecia com a fita virando fumaça, num pequeno incêndio. Quando o mundo era feito de coisas concretas, tudo funcionava a olhos vistos, na dimensão da materialidade. Assim, a fita incendiada sumia, se dissipava em nuvem e nem se pensava para onde iriam suas partículas. Elas simplesmente desapareciam do espaço aéreo de nossa ingênua consciência.

     A mesma ingenuidade fascinada com o mundo das novidades ficou encantada com o surgimento dos produtos descartáveis. A praticidade era acenada pela facilidade e pela economia de esforços. Até ali, se buscava leite em cambonas metálicas ou em garrafas de vidro, que eram lavadas e passeavam no leva e traz das leitarias, lugares onde se vendia leite e que, via de regra, cheiravam azedo. No mesmo cenário, existiam os armazéns próximos o suficiente para se ir e vir a pé. Com paredes recobertas de armários de madeira e portas de vidro, ofereciam variados produtos a granel, pesados na frente do freguês, embalados na prosa do vendeiro, geralmente um português chamado Manoel ou Joaquim. A conversa fiada pela passagem quase diária era acompanhada pelas sacolas trazidas de casa, pois do contrário não haveria como levar as compras. Era um mundo dinâmico, permeado por trabalhos leves rotineiros que, ao final do dia, promoviam um saudável exercício muscular e gasto calórico.

     Num rápido giro do tempo, avançamos – ou pensamos avançar – para o ciclo dos descartáveis. A preguiça passava a se chamar praticidade e a vida moderna era sinônimo de economia de esforços e diminuição de trabalho. Nada mais de levar e lavar garrafas, carregar sacolas. As sacolas plásticas eram uma benção que se juntava ao espetáculo dos novos mercados super, com mercadorias ao alcance das mãos. Sumiam os românticos armazéns de esquina substituídos pelas compras em lote.

     Passaram-se poucas décadas para se desfazer a ilusão e se revelar a desconfortável verdade. Multiplicaram-se os produtos, transformados em marcas e embalagens de todos os gêneros, que enfeitam prateleiras, seduzem consumidores e depois são jogados na rua, circulam mundo à fora, à céu aberto, exibindo um espetáculo grotesco. Algumas situações são hoje claras demonstrações do esbanjamento desnecessário e da inconsciência coletiva. Um dos mais chocantes, para a sensibilidade consciente, é o uso e abuso de utensílios e enfeites descartáveis em festas de todos os gêneros. Os festejos públicos são ainda mais assustadores: geram em poucas horas toneladas de copos, pratos, talheres plásticos, que extrapolam a capacidade das lixeiras e seguem o curso das ruas, das valetas, dos rios.

     A preguiça-praticidade gerou um mundo no qual o lixo é a maior “missão impossível”: ele está em toda parte e nos mais variados formatos. Pelas conseqüências graves, todos os produtos deveriam levar em suas embalagens a mensagem de advertência: “esta embalagem só se destruirá em 100 anos”; ou outras mensagens mais assustadoras e melhor inspiradas. Nossa geração inteira vai embora e deixará de herança muito lixo para nossos amados filhos, netos, bisnetos, se não tomarmos nossa dose diária de juízo, adotando uma vida simples, reutilizando embalagens e descartando o mínimo. Essa é uma missão possível.
publicada.
 JORNAL AGORA
05 de fevereiro de 2011

3 comentários:

  1. Nossa Silvia, teu blog é muito bom! Parabéns! Sou tua seguidora por aqui.. Realmentee complicado o que a comodidade tem feito em relação a problemática do lixo. O negócio é tentar conscientizar a todos que nos cercam e esperar que essa corrente seja transmitida pensando realmente em nossas próximas gerações! :]

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  2. Obrigada Rahiza. O importante é que a gente não desista e siga tentando fazer deste um mundo melhor, independente das dificuldades. Agradeço tuas palavras. um abraço

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  3. Silvia,
    Este teu post de 08/02, quatro dias antes de meu blog ser apresentado ao mundo virtual, lembra-se de um seriado de TV e mais tarde um grande sucesso do cinema, que também se multiplicou.
    Parabenizo-te pelo artigo e fico mais animado por recorrer à sétima arte para expressar minhas humildes impressões de cotidiano.

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