Caderno Mulher Interativa
26/04/2008
Estava com o cada vez mais sábio meu irmão Paulo Sérgio quando ele me saiu com seu mais recente insight. Disse-me: descobri que meu problema é o Sérgio. O Paulo quer fazer tudo direitinho, sabe como deve se alimentar e cada decisão a tomar na sua existência, mas o Sérgio... Ah, o Sérgio! Ele é a criatura que vive dentro do Paulo e parece dedicar-se exclusivamente a azucriná-lo: é a sua antítese – está ali só para contrariar. Se o Paulo se determina a praticar corrida, lá vem o Sérgio inventando pretextos para desistir do intento. Para tudo de bom, produtivo, sério e responsável que o Paulo pretende fazer, surgem os pitacos do Sérgio, colocando entraves e criando desvios de rota.
Só pude concordar em gênero e número. Sou Sílvia para a maioria das pessoas que me conhecem e nomeiam: amigos, conhecidos, clientes, etc. Algumas exceções raríssimas me chamam de Lúcia e é essa – a Lúcia que, como o Sérgio de meu irmão, por vezes me atrapalha. Quero fazer isto ou aquilo, acerto tudo e por que não consigo cumprir? Culpa da Lúcia. Ainda noutro dia resolvi retornar à academia de ginástica. Lá foi a Sílvia, cheia de decisão, fazer sua avaliação física, preparar agenda, etc, etc. Aprontou roupa e vontade e aí? Aí surgiu a Lúcia com seus mil estratagemas arrumando problemas para impedir que Sílvia aderisse com determinação ao programa de exercícios prescritos e necessários a sua idade. Sílvia, posso dizer, é pessoa de bom senso, criatura determinada, até bem disciplinada. Já Lúcia, sabe-se lá por onde andou enquanto Sílvia estudava: parece que se dedica ao ócio permeado por momentos em que seu deleite é atrapalhar a vida já bem atribulada da Sílvia. Deve ser por isso que raramente apresento a Lúcia – embora esteja condenada a carregá-la junto.
Ter dois nomes próprios tem vantagens mas também dissabores. É como dispor de três identidades: a do primeiro nome, a do segundo e a dos dois nomes juntos. O nome mais forte é o nosso nome oficial, aquele pelo qual nomeamos a nós próprios, nos apresentamos, somos chamados e reconhecidos. Representa nosso eu consciente e voluntário. O outro nome é o de nosso inconsciente, sempre pronto a trapacear nossas propostas. É a nossa sombra, mas não aquela que nos acompanha passivamente: é a sombra do fantoche, que movimenta nossos braços e faz os gestos cuja autoria, ingenuamente, pensamos ter.
Quando se juntam os dois nomes surge nossa terceira identidade, formal, registrada em cartório: é chamamento oficial, convocação para explicações ou para cumprimento de castigo. Pelo menos comigo sempre foi assim. Quando era chamada em minha infância a Sílvia Lúcia, já sabia que o assunto não era bom. Havia algum problema, pois ou a Sílvia Lúcia deveria ter feito o que não fizera, ou fizera algo que não deveria ter feito.
Em que pese estes percalços, agradeço à minha avó materna, Flora, ter escolhido esse nome composto que, salvo esses dilemas existenciais, é de meu pleno agrado.
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