terça-feira, 31 de maio de 2011

Perdi Um Capítulo

                                                        

    
      Não sei por onde eu andava, mas devo ter perdido um capítulo importante que está me trazendo grande dificuldade de entender certas notícias correntes.

     Num tempo em que a juventude parece tudo usufruir, me deparo com as imagens de jovens protestando pela legalização da maconha. A ampla, geral e quase irrestrita liberdade não lhes parece ser suficiente. O mundo tão complexo, carente de gente bem preparada, e essa turma barulhenta querendo tornar legítima mais uma droga para lhes entorpecer. E eu não entendo a eleição dessa questão como uma prioridade. Achava que a onda de legalização de drogas já tinha passado e que a ordem do dia era dada pela geração saúde, que pratica esportes e cuida da alimentação. Devo ter perdido um capítulo.

     De outro lado, sai dos altos gabinetes de governo uma cartilha escolar elaborada para ensinar a escrever errado. Já vinha sendo acenado um movimento lingüístico de sumiço das letras, principalmente das vogais. Com o MSN, que quase ninguém chama de Messenger, a comunicação entre as pessoas passou a ser feita através de consoantes. A Língua Portuguesa está sendo decepada. Lembro que antigamente as abreviaturas eram ensinadas no colégio, numa lista que dava muito trabalho decorar e sempre era incluída em provas. Agora? Basta tirar as vogais e está abreviada a palavra: vc, q, qq, td, tvz... Nem no tempo do telégrafo se comiam tantas letras. Está certo que as pesquisas de neurociência demonstraram que o cérebro entende o código rapidamente, mas a transformação vai alterando o modo como nos comunicamos e nos entendemos. Os adjetivos, por exemplo, são cada vez menos usados. As frases são reduzidas ao mínimo, por vezes limitadas a um único verbo, desacompanhado de qualquer complemento. Para que “enfeitar”?

     Neste contexto, a proposta do MEC impressa no livro “Por Uma Vida Melhor” encontra muitos defensores que acham dispensável usar – ou aprender – normas de concordância: “os menino pega o peixe”. Entendeu? Então é suficiente. E assim, na base de entendimentos mínimos, vai sendo excluída toda a riqueza do mundo das palavras. A comunicação mínima, que se suporta no momentaneamente suficiente, limita o horizonte do conhecimento, restringe o raciocínio. A escola, que sempre foi a esperança mais tangível para a transformação das condições de vida, agora se propõe a legitimar o errado e mais do que isto, a limitar a capacidade de entendimento dos alunos, restringindo seu vocabulário. E eu que supunha que a função maior da escola era ensinar o certo, divulgar a cultura e estimular a produção do conhecimento. Aonde perdi o capitulo que inverteu a ordem de todas as coisas?

     Seguirei procurando o capítulo perdida, na esperança de desfazer o nó de minhas idéias e melhor compreender o cenário dessas e de outras notícias, que nesse momento me deixam negativamente impressionada.
Publicada em 28/05/2011

segunda-feira, 16 de maio de 2011

A Vingança É Um Prato


     Dizem muitos que a vingança é um prato que se come frio, saboreado ardilosamente. Coisa para ser feita ao longo do tempo, marinada pela mágoa e arrematada pelo ressentimento. Fazem a cobrança tardia de coisas que não permitiram que o tempo apagasse. Vingativos convictos são esses seres capazes de dormirem muitas noites e acordarem com mesma idéia e disposição na cabeça. Esses tipos persistentes, ardilosos, que passam anos a fio bordando e tecendo reações não são numerosos, para nossa grande sorte.

     A maior parte do universo dos vingativos é composta das pessoas vingativas que são dadas a reações imediatas, atos menos pensados, pouco elaborados. São os que agem no calor das emoções, com a cabeça quente, ao estilo “bateu levou”, tão em voga em situações cotidianas bem banais. Gente que não parece perdoar nada, que revida qualquer coisa que lhe pareça ter sido ofensiva: não levam desaforo para casa. É para eles uma catarse: explodem, revidam e se despojam de sua ira. Devoram o prato da vingança cru e quente. Quando a cabeça esfria e o coração se acalma conseguem refletir e até se arrepender dos atos cometidos.

     Desejos de vingança pessoais fazem parte das falhas humanas e, quando causados por amores feridos ou não correspondidos, são fáceis de entender. Muita gente que procura psicoterapia (ou deveria procurar) sofre desses sentimentos mal resolvidos e só supera seus problemas quando conseguem se desfazer da ladainha da vingança que enreda sua vida ao novelo de situações passadas. Perigosas e bem mais graves são as vinganças que se transformam em atos e mais graves ainda quando ensejadas de forma coletiva, promovidas por nações.

     As ações vingativas não colaboram para a paz. Não é revidando ofensas ou praticando crimes que se constrói um mundo melhor. A barbárie nunca foi companheira do entendimento e da fraternidade. Essas ações que vem de longe (e de cima) parecem distantes, mas reforçam outras formas de agir e pensar, nas quais o revide se torna legítimo. São um péssimo modelo e um mau sinal. Estaremos coletivamente aceitando a violência, a arbitrariedade e a vingança como formas legítimas de justiça? Se assim for, estamos retornando ao tempo da barbárie, do olho por olho, dente por dente; do lavar a honra com sangue e outras coisas do gênero.

     Vingança é um prato indigesto e venenoso. Carregado das toxinas da raiva, dos venenos das emoções negativas, não combina bem com a vida e com o caminho do bem, embora continue sendo oferecido em variadas formas no self-service de nossa existência. O mundo estará melhor quando desarmar corações, pensamentos e atitudes; quando for alimentado por uma dieta leve, regada a fraternidade ampla, geral e irrestrita. Por enquanto, continuamos muito longe disto.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Perdoai-vos, Eles Não Sabem O Que Fazem

    
      Perdoar é uma das atitudes mais milagrosas, talvez vez o maior milagre que qualquer ser humano possa praticar. O perdão é capaz de modificar toda a dinâmica das emoções internas, de liberar a pesada tensão da mágoa, diluir a explosiva sensação de raiva, romper a corrente eterna dos ressentimentos. Algumas pessoas pensam que o perdão é algo que se dá a outra pessoa, mas o perdão é algo que damos a nós próprios, mesmo quando perdoamos outra pessoa. Perdoar não é se reconciliar com o errado, nem ser cúmplice dele, é apenas restaurar em si mesmo a paz, o equilíbrio e a serenidade. Perdoar não é esquecer, pois o esquecimento é apenas perda de memória, apagamento de lembranças, amnésia. Perdoar é descolar a dor aguda e as emoções negativas das pessoas ou das situações que a geraram. Ao perdoar alguém largamos a pesada mala dos sentimentos ruins que carregávamos e que fazia nosso coração sofrer.

     Precisamos ter uma atitude constante de perdão, pois a cada momento somos atravessados por situações capazes de gerar emoções ruins, decepção, indignação. Na esfera pessoal, os amores, os amigos, os familiares tantas vezes dizem coisas indigestas, tem atitudes que nos ferem e muitas vezes nem se dão conta disso. No dia a dia, quantas vezes somos passados para trás na fila do super mercado, no estacionamento do carro e tantas outras miúdas, mas freqüentes situações. No trabalho, cada vez mais nos confrontamos com ninhos de cobras venenosas. E ai? Nossa pressão arterial sobe, o coração acelera e a musculatura do corpo todo se contrai de tensão. Pois perdoar provoca imediato relaxamento. Perdoai-vos, pois eles não percebem o que falam, não sabem o que fazem.

     Há tantos que não sabem o que fazem e nem se dão conta disso. Gente que comete atrocidades, mas que se acha justa e santa. No âmbito coletivo, esse é um mundo de absurdas crueldades, de desonestidades de variadas formas; gerido por regras elaboradas pelos que só pensam em si mesmos e buscam benefícios apenas para sua turma. Para sobreviver precisamos permanentemente perdoar. Precisamos perdoar, pois eles não sabem o que fazem: encharcam-se com benefícios de toda ordem, enquanto discutem em plenários o tamanho das migalhas que distribuirão aos seus súditos, digo, eleitores. Precisamos perdoar até esses tipos? Sim, perdoar, mas sem esquecer e nem deixar de tomar atitudes corretivas. Apenas amainar o coração, liberá-lo do peso das emoções negativas para deixar a mente trabalhar com serenidade e assim usar a inteligência para buscar soluções e poder tirar de funções públicas aqueles que não são dignos dela.

     Toda essa gente que age como criança mal educada necessita de corretivo para aprender e deixar de praticar maus atos, precisam da ação psicopedagógica da penitência, capaz de levar luz a suas almas sombrias. Precisamos perdoar para poder ensinar, corrigir e penalizar com a medida dos justos, com a sabedoria dos bons pais e dos bons mestres. Todas as más notícias que nos assombram, todas as injustiças e grosserias que nos são praticadas precisam ser perdoadas, pois só assim impedimos que o rancor e a desesperança se instaurem em nossas vidas.

Publicado em 30/04/2011

Aprender A Perder

    
     Ensinamos nossos filhos a ganhar, a buscar a vitória a todo custo e a despeito de qualquer pena. Moldados pelo paradigma da moderna sociedade industrial, cultivamos a idéia de que só há valor no ganho, no proveito e no lucro. Esquecemos do outro lado da moeda da vida. Tudo o que se ganha também se pode perder e é preciso aprender a lidar com isso.

    Como a descida de uma montanha exige muito maior cuidado e prudência do que a escalada de subida, saber perder é mais complicado do que aprender a ganhar. Aprender a perder é um valioso aprendizado, coisa que se ensinava às crianças nos remotos tempos em que o mundo infantil era preservado distante das conversas e interesses adultos. Mas, em função das agudas transformações da sociedade na qual vivíamos, permitimos que nossas crianças fossem transformadas em precoces consumidores; deixamos de oferecer limites entre o necessário e o dispensável; entre o certo e o errado; entre o bom e o mal. Criamos o mundo das ilusões e dos holofotes; da fama rápida, do sucesso fácil. Era tudo isso adequado ao ciclo de transformação pelo qual passava a sociedade invadida por máquinas e regrada por paradigmas de urgência, competitividade e consumo. Assim exigia e inspirava o mundo das máquinas a todo vapor, acenando uma vida confortável, perfeita, repleta de tudo e ao alcance de todos. Acreditamos no admirável mundo novo e criamos a geração de nossos filhos para desfrutá-lo.

     O fantástico mundo mecânico que instaurou a era moderna agora está superado pelo novo mundo da informação, que gira em saltos e prescinde da necessidade de engatar uma peça na outra. Esse universo saltitante impõe muito maior necessidade de equilíbrio emocional do que o mundo aparentemente sólido oferecido pela era anterior. As ilusões de então estão perdidas: foram-se os empregos estáveis, a segurança das ruas e tantas outras coisas. O mundo é outro, repleto de incertezas presentes e futuras. A espiral dos retornos, que sempre regrou a história, traz de volta a necessidade de resgatar aprendizados de tempos remotos.

     As patologias que estão surgindo são decorrentes das novas contradições sociais e exigem que se ajuste o modo como educamos as gerações futuras. Dentre as mais valiosas habilidades a serem desenvolvidas está a capacidade de resistir a situações adversas chamada de resiliência. Só algumas poucas pessoas são dotadas de inata resiliência, a maioria precisa ser educada para desenvolver essa capacidade, aprendendo a enfrentar perdas e superar frustrações. É muito melhor ensinar as crianças, em situações de ensaio e erro cotidianas, do que as deixar crescer como adultos despreparados, com grande dificuldade de enfrentar as agruras do mundo e as decepções da vida.

Publicada em 16/04/2011