As novelas de televisão, nos seus variados horários, estão apresentando enredos cuja ênfase recai, insistentemente, sobre a capacidade humana de fazer mal ao próximo. Será moda?
Entre tramas e trapaças de vários gêneros, assiste-se a vidas desfeitas nas novelas de todos os canais, em qualquer horário. Maldades ensejadas não pelo ardor de paixões ou pelo amargo ressentimento de amores não correspondidos. As articulações giram, todas, sobre a ambição, a inveja e a ganância. Os conchavos cruéis simulam modelos que reproduzem as malvadezas banalizadas no cotidiano. Talvez possa ser o contrário: que a vida imite a novela, em traduções corriqueiras, mais baratas. Não é, para mim, possível discriminar o original e a cópia, mas está clara a correlação entre os temas apresentados e a realidade diária. As diferenças são apenas cênicas.
Nas novelas, o ambiente é de luxo e as disputas giram em torno de grandes fortunas, heranças, sucesso e celebridade. Na vida diária, a ganância pode estar dirigida para objetos bem menores. No trabalho, por exemplo, o objeto de desejo pode ser uma subchefia de um subsetor qualquer, um avanço salarial mínimo ou o prestígio diante de um chefe passageiro. Para atingir o objetivo serão utilizadas as mesmas armas da novela, em formas mais mesquinhas, menos criativas, mas igualmente cruéis. Fazer qualquer coisa para alcançar um mínimo prestígio ou um pouco de dinheiro pode parecer normal, afinal, os fins justificam os meios - dizem muitos. Quem faria qualquer coisa para ganhar um milhão, também age de forma semelhante em troca de um mínimo trocado, pois honestidade e lealdade não são questões de preço.
Há os personagens bons e os neutros - tanto nas novelas quanto na vida. Se analisarmos as pessoas que conhecemos ao longo de nossa existência, se fizermos um exercício de memória, perceberemos, com clareza, que algumas se destacam em nossa lembrança por terem sido excepcionalmente boas, outras por terem sido profundamente más. Muitas outras passaram por nosso convívio sem fazer maior marca, foram figurantes secundários, não fizeram diferença. Recordo uma interessante comparação que li, certa vez, entre o ser humano e as bactérias. Dizia o autor: as bactérias são 10% maléficas, 10% benéficas e 80% oportunistas. A humanidade estaria dividida entre duas minorias e uma grande maioria. Os muito maus, sórdidos, cruéis e inescrupulosos, seriam uma das minorias. A outra minoria seria dos muito bons, extraordinariamente honestos, éticos, plenamente confiáveis. Entre essas duas minorias, circularia o grande grupo dos oportunistas, aqueles que vão conforme o favor dos ventos e a ilusão das oportunidades, sempre ficando do lado das conveniências do momento.
Desconsiderando os percentuais, sempre enganosos, pode-se perceber que, efetivamente, assim caminha a humanidade, o que dá esperança e também temor. Os espectadores expostos à intoxicante programação televisiva, sorvendo doses diárias de exemplos venenosos, são passivos como um rebanho. Doutrinados por modelos negativos, podem reproduzir esses comportamentos, que passam a ser considerados naturais e até adequados.
Naturalmente, não é necessário desligar a televisão para se proteger de seu efeito. O fundamental é manter ligado sempre o senso crítico e não permitir que seja anestesiada a sensibilidade.
Publicada em 24/04/2004
Caderno Mulher Interativa
Jornal Agora -
Nenhum comentário:
Postar um comentário