domingo, 12 de dezembro de 2010

Depois dos 50

Após os cinqüenta anos, fica fácil perceber a mudança no curso da vida, que em muito se assemelha ao descer de uma montanha: a subida é árdua, a permanência é breve e a descida é representa o maior e mais difícil obstáculo a ser vencido. Ao chegar ao topo não se terá vencido a metade do caminho, pois o percurso seguinte será muito mais exigente e perigoso. Exatamente como na vida.


A passagem dos 50 anos é talvez a mais radical mudança, um marco, o ponto em que começamos a irremediável descida. Não há mais jeito: a reviravolta é geral. Passamos a enfrentar novas provas. Até ali buscáramos números altos nas notas do colégio, no vestibular, na faculdade, no contracheque, nos extratos de banco. Agora passamos a perseguir as notas baixas. O tormento são os exames de laboratório, com a exigência de cada vez mais diminuir suas taxas. Quem consegue as menores notas e dribla os avanços de colesterol, triglicerídeos, glicemia e pressão arterial é um vitorioso, pois vai percebendo que o grosso da tropa se tornou cliente fiel de médicos e farmácias.

A mais difícil das mudanças é que passamos a acompanhar o obituário do jornal, antes de ler qualquer outra matéria, pois ali encontramos com freqüência nossos amigos e conhecidos. A cada notícia de falecimento, um abalo, um sentimento de perda, uma sacudida existencial. A vida parece fluir mais rapidamente e não há mais tempo para desperdiçar com bobagens. É prudente e sábio que se mude o senso e altere a importância de muitas coisas.

Mas, o que seriam “bobagens”? Depende do conceito de cada um. Percebendo que estamos rumando montanha abaixo, não parece sensato carregar peso extra ou bagagens desnecessárias. É prudente largar as ilusões do trecho de subida, que nos faziam sonhar chegar às nuvens e permanecer eternamente jovens: melhor tratar de cuidar da saúde, deixando secundárias as questões narcísicas, meramente estéticas. Que se vão os luxos e os anéis, mas que se preservem os dedos. A cor é outra, a vida é outra. Se já se viajou o bastante ou não se conheceu do mundo o suficiente, não fará mais tanta diferença. Se o topo da carreira foi alcançado ou nunca se conquistou sequer um cargo de subchefia, isto deixa de abalar nossa felicidade. Tudo passa a ser tão diferente, quando se olha de outro ângulo.

É possível após o 50 anos mudar de amor, de profissão, de cidade, mas a maior revolução será outra. O despojamento é a maior fortuna, o ouro que se pode alcançar com a maturidade. Descer do salto alto ou do sapato de bico fino, largar ambições e vaidades resulta em muito melhor proveito do que insistir na busca de efêmeros sucessos. Descartar-se de tudo que é trivial, abreviar as necessidades e valorizar o que realmente importa: a essência das coisas, das situações e, principalmente, das pessoas. Essa mudança de ótica faz parte da colheita sábia de quem aprende com as mudanças.

Dirão alguns: mas que exagero! Hoje uma pessoa de 50 anos pode manter a imagem e vitalidade de bem menos idade e ultrapassar os 90 anos com lucidez e saúde. E eu lhes respondo: pode parecer mais jovem, mas adentrou na fase de prorrogação da existência que é de mais incerto prazo.

Publicado Caderno Mulher
Jornal Agora
18/09/2010

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