Caderno Mulher Interativ
29/03/2008
Há várias versões para a lenda grega de Procusto. As histórias, sejam colóquios de vizinhos ou lendas de tempos remotos, se prestam para isto mesmo, para serem versadas e conversadas. Alguns dizem que o tal Procusto era um gigante, outros que era um soberano e outros ainda dão trato apenas de que se tratasse de um reles bandido. O nome original do sujeito era Damastes ou Polipemon, mas passou a ser conhecido como Procusto – “o estirador” – pela prática de um terrível método de tortura que aplicava aos viajantes perdidos. Ele lhes oferecia hospedagem e depois, à noite, os colocava numa cama de ferro e, se fossem maiores do que o leito, amputava-lhes com machado as partes que sobravam; se fossem menores, esticava seus membros com cordas e roldanas até que atingissem às bordas do móvel. Era um normatizador que a todos ajustava ao padrão por ele determinado.
A lenda grega serve de metáfora para diversas situações em que a vida humana é encaixada a ferro e a fogo a padrões preestabelecidos. Procustos de todos os gêneros perambulam por nossas vidas, personificados em professores, magistrados, psiquiatras, psicanalistas, psicólogos, etc. Nos processos seletivos, por exemplo, o leito de ferro é o molde do cargo, ao qual se exige que os candidatos tenham exato ajustamento. Muitas vezes requisitos arbitrários excluem injustamente do certame pessoas plenamente competentes.
São especialmente preocupantes os Procustos que se ocupam de diagnósticos. Fala-se de “enquadramento diagnóstico” ou “quadro clínico” em função do formato conceitual: os diagnósticos são modelos esquemáticos, com critérios o mais rígidos e objetivos possíveis. É necessário que assim sejam, pois esta é uma área que em essência lida com normatização – dela não pode mesmo prescindir. Mas a vida humana, com suas histórias, comédias e dramas sempre transcende à rigidez do enquadramento, sobram pedaços aqui e espaços acolá. Esta dificuldade acontece mesmo nos diagnósticos psicodinâmicos – como os feitos pelos instrumentos chamados projetivos, como o Rorschach (teste conhecido como dos borrões de tinta) ou o PMK (psicodiagnóstico miocinético), os quais me especializei por utilizá-los ao longo dos anos na clínica. Consegue-se alí visualizar a estrutura da personalidade, seus recursos, características positivas e traços patológicos, mas tudo isto só tem fidedignidade quando comparado com a análise da história de vida do paciente. Nada supera a atenta e demorada escuta, como ainda hoje nem o mais sofisticado recurso tecnológico consegue substituir o acurado exame clínico feito por um bom médico.
Diagnosticar continua sendo uma arte, que exige além do talento, sensibilidade humana – só assim se consegue compreender a pessoa em sua plenitude e oferecer ajuda adequada. Do contrário, o destino humano poderá ser atado a cordas ou ceifado a machado.
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