segunda-feira, 13 de junho de 2011

Máquinas E "Brujos"

    


       No tempo das coisas eletromecânicas tudo era fácil de ser compreendido. Os aparelhos de rádio e tv, por exemplo, funcionavam a válvulas que, vez ou outra, queimavam - conserto fácil, barato e feito a domícilio, aos nossos olhos. As máquinas, como o mundo de então, eram previsíveis e duráveis.
       Bem diferente dos aparelhos de agora, animados por chips. Não se consegue visualizar o caminho de sua ação e, menos ainda, o motivo de seus problemas.
     Será que as máquinas não tem vida mesmo? O antropomorfismo parece ser justificado nas experiências de manuseio dos eletrônicos. Dia desses levei o computador portátil para conserto. O equipamento, que me é valioso na produção dos artigos, volta e meia, sem motivo aparente, desliga e não religa. Deixei na assistência técnica e ao retornar me foi oferecido o mais pitoresco diagnóstico. Disse-me o muito jovem especialista, com absoluta naturalidade: "ele só liga quando quer". Opa! Meu notebook tem vontade, desejo, vida própria. Eu poderia ter ficado espantada se não fosse alo que eu já tivesse observado. Não há como situar defeito.
     Escrevo agora com mais delicadeza, como quem fala baixinho, para nao ofendê-lo, pois concluí que ele tem um temperamento muito suscetível, com facilidade se ofende. Por ser equipamento portátil, pretendia carrega-lo em viagens. Por duas vezes, ao chegar no destino, estranhou o clima, ou talvez a altitude, ou a viagem de avião e se desligou da vida. Só voltou a se abrir quando retornei para casa. Assim, descobri que é apegado à cidade onde vive. Foi uma decepção, mas me conformei. No veraneio, levei-o para a praia. Parece que estranhou o calor, a maresia. Novamente não quis trabalhar. Será que achou injusto ter que trabalhar na praia? Retornou para casa e logo estava de volta à ativa, sem intervenção alguma. Certo dia, levei-o para o apartamento ao lado. Foi o suficiente para estranhar o ambiente e nada fazer. Só voltou a funcionar em casa. Percebi que, mesmo sendo portátil, é sensível a movimentos, não gosta de agitos. Desisti de leva-lo de lá para cá. Ele é portátil mas não se considera uma unidade móvel. Por último aconteceu de ser colocado outro equipamento na mesa, ao seu lado. Pronto. Foi o suficiente. Outra pane: fechou-se em copas. Foi um período mais longo sem funcionar. Nova descoberta: o bichinho é ciumento! Após todos esses entraves, descobri que se quero contar com sua fiel colaboração, tenho que respeitá-lo. Ele não gosta de viajar de avião, nem de praias, nem de fazer novos amigos. Tem um temperamento caseiro, seletivo, introspectivo. Adora a intimidade do convívio privativo e exclusivo: funciona muito bem se for a dois: ele e eu. Assim, está sempre bem disposto. Cada coisa tem neste mundo!
     Minhas conclusões: a pressa tem outros inimigos, além da perfeição. Os eletrônicos parecem ter alma, espírito e uma forte personalidade, que não aprecia afoitos e estressados. O fato é que, confesso, passei a conversar com computador, impressoras e coisas do gênero. Não sei se eu é que fico zen para lidar com seres tão instáveis ou se são eles que se acalma, mas a coisa funciona e é isto que importa.
     Como sabiamente dizem os espanhóis, no creo em brujos, pero...
                                                          Publicada no Caderno Mulher - em 17/09/2005

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