(Publicada Jornal Agora
Caderno Mulher interativa
22/11/2008
Foi-se o tempo em que os serviços caseiros impunham força física e máximo talento às donas-de-casa. A dura época de ralar joelhos esfregando o chão e passar roupas com ferro a carvão foi embora com os bondes e seus trilhos. Pois naqueles mesmos distantes tempos, enquanto a mulher de tudo fazia, o homem desfrutava de cuidados dignos de um paxá: era em família um soberano respeitado e temido, com amplo e irrestrito direito de decidir e proibir. Em seu importante papel de chefe da família, não dividia afazeres caseiros, pois tinha o único dever de suprir as necessidades materiais: era ele o provedor. As provisões de então eram muito mais singelas e limitadas do que as de agora: comida simples, roupas e sapatos podiam ser consertados, passarem de irmão para irmão e serem usados até ficarem inservíveis. Apenas as contas de água e luz faziam parte dos compromissos mensais fixos. E os filhos cresciam e tomavam rumo na vida, liberando o compromisso do provedor temporário. Com a evolução dos costumes e a invenção de cada vez maiores necessidades, o pobre provedor tornou-se figura exaurida por obrigações. Perdeu o posto de comando, o poder de mando, passando a ser um mísero pagador de contas, um provedor vitalício.
O provedor de agora pode ser padrão coronel pagador, com banda larga, ampla capacidade de suportar múltiplos gastos de ilimitadas conexões – que incluam a rede de namoros e amizades dos filhos, dos colegas dos filhos, dos irmãos, dos cunhados, dos amigos, dos conhecidos... Deste tipo de ampla cobertura são exigidos todos os luxos disponíveis no mercado, como se ele houvesse descoberto alguma mina de ouro ou se tornado dono de um poço de petróleo. É sua obrigação pagar cartões de crédito sem reclamar o valor das faturas, custear vários celulares, roupas de grife para toda a turma, dar carro para os filhos, prover viagens, pagar os estudos até o nível do pós-doutorado, etc.
Já o modelo provedor aposentado INSS é de banda bem mais estreita, do tipo que vive caindo no limite do empréstimo consignado, provocando blackouts por falta de pagamento. Não consegue oferecer luxos e para abrigar sua família sempre crescente faz puxadinhos no fundo do quintal. Sofre dificuldades constantes com suas limitadas conexões, mas mesmo assim sua clientela reclama, mas permanece fiel e confiante, ninguém sai do ninho – por mais aperreado que esteja.
O provedor vitalício, com sua sofrida generosidade, acabou criando uma geração de filhos eternos, acomodados na dependência, com dificuldades de descobrirem a satisfação de alçar na vida vôo com asas próprias. Para que esses filhos superem o sentimento de incapacidade e de impotência diante das exigências cotidianas, para resolver a situação atual e para felicidade geral dessa geração e das seguintes, a função do provedor precisa voltar a ser temporária e ter prazo de validade.
Esclarecimento final: nesses tempos pós-modernos, as funções de provedor e dona-de-casa não estão mais ligadas ao gênero.
Que visão linda! Que perspicácia!
ResponderExcluirHá um mundo onde só quem vive ele é que nota como é difícil, e é o do provedor.
Hoje, infelizmente, poucas pessoas sabem cumprir esse papel e menos ainda sabem valorizá-lo.
E, independente de sexo, o papel da pessoa que fica em casa está muito mais fácil que antigamente: produtos de limpeza, fraldas descartáveis, eletrodomésticos mais eficientes, o avanço de serviços de comididades e acesso à informações tornam o dia-a-dia da figura da "dona de casa" mais fácil.
Por outro lado, como bem citado no texto, as preocupações do provedor só aumentam: se antes as contas e necessidades eram parcas, hoje o consumismo capitalista faz do equilíbrio orçamentário uma tarefa hercúlea!
Por isso que divido o mundo entre pessoas de bem e marginais:
As pessoas de bem sabem os seus papéis no mundo e, geralmente, são pessoas regradas, bons filhos, pais, namorados, funcionários, cidadãos, etc...
Já os Marginais (por estarem à margem) às vezes até acertam os comportamentos em alguma coisa, mas simplesmente não sabem ser pessoas decentes em um ou mais aspectos da vida...
Quem dera metade do mundo mais uma pessoa tivesse a mesma visão que você.
Artur. Com bastante atraso, agradeço tua reflexão e teu comentário. Pela configuração da pagina, eu não tinha ainda lido os comentários do blog. Agradeço mais uma vez tuas palavras e reflexões. um abraço
ResponderExcluir