Os arroubos da arrogância juvenil, outrora reprimidos com severidade, são atualmente estimulados. Esta é uma cultura que mal educa suas crianças e jovens, aos quais tudo concede, releva e perdoa. Enquanto o mundo vai sofrendo problemas cada vez mais complexos e o horizonte vai se tornando mais sombrio e ameaçador, continua-se a embalar o berço para que o ninho não se esvazie e siga a juventude com ilusões eternas, enquanto durem. Num contexto desses, é até natural que assuntos do âmbito da família ou da escola tenham que ser decididos por legisladores. Só com lei se imagina restituir a ordem no universo caótico que foi estabelecido. Amarga ilusão... As coisas não chegaram aonde estão por obra do acaso, por meras casualidades. Esses moços, pobres moços, que acham que defendem sua liberdade ao pretenderem usar celular e internet 24 horas por dia, desfrutar todos os diretos da vida adulta sem as consequentes responsabilidades, não sabem o quanto estão indo para o inferno à procura de luz, como diria o sábio Lupicínio Rodrigues.
Os recentes debates em torno do porte e utilização de celular em sala de aula, faz pensar que poderia ser motivo de semelhante discussão o uso do aparelho em salas de concerto, cinemas e palestras. Afinal, foi muito bem implantada na mente coletiva a idéia de que há uma indispensável necessidade de estar sempre conectado, pronto a receber e transmitir mensagens, independente da importância ou urgente pertinência do assunto. Vivemos hoje numa sociedade controlada pela febre do consumo, sedada por programas televisivos alienantes. Faz-se tudo, menos pensar, refletir, decidir, afinal uma das primeiras vítimas sacrificadas pelo novo sistema foi a Filosofia. Só com o êxodo do raciocínio reflexivo e do hábito de leitura pode ser o mundo dominado pelas ilusões hipnóticas da propaganda e da moda.
Estamos seguindo o roteiro do Admirável Mundo Novo, no qual o genial Aldous Huxley anteviu nosso presente nos distantes anos de 1930. Logicamente a roupagem era diferente, como seria mesmo se o autor tivesse atualizado seu livro dez anos depois de escrevê-lo, como ele reconheceu em uma edição apenas dez anos posterior, mas ele preferiu respeitar a obra original, deixando-a intacta a remendos. O Mundo Novo de Huxley era dividido rigidamente em castas, convenientemente identificadas por cores, cumprindo um destino definido antes da concepção – feita sob encomenda em tubos de ensaio, sem a participação das perturbações de paixões ou romances. Tudo ficava sob rígido controle do estado. Não foi preciso tanto trabalho para estabelecer um mundo “dominado”. O senhor deste Admirável Mundo Novo não é um estado mundial mas o tirano senhor mercado – que comanda todas as coisas, estabelecendo a ordem das necessidades. As famílias continuam existindo, mas se esvaziaram de suas funções, perderam o poder de sua importância. Seus filhos estão entregues aos representantes do mercado, às macaquices da moda e seus modismos. Já antes de nascerem as crianças são preparadas para o mundo do consumo, pois acima e antes de serem humanos, são potenciais consumidores.
O mundo da ilusão lúdica mantém a hipnose coletiva de que a vida é feita para se comprar, tudo está ao alcance do dinheiro que se disponha e esta é a única forma de ser feliz. Precisamos precisar, somos a medida do que desejamos. Pouco importa o que somos, mas o que temos ou no mínimo o que aparentamos ter. O “Admirável” Mundo Novo está ai, sendo sacudido por transformações geológicas. É tempo de despertar, de voltar a separar o que importa na vida, do que é secundário; de reaprender a pensar. Hora de acordar: talvez seja este o recado da mãe Terra.
(publicada Jornal Agora - março 2010)
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