Com nostálgica saudade, recordo os tempos do rádio, quando a TV ainda não existia e o universo do imaginário era povoado por vozes e sons. Eu ouvia o Repórter Esso, cuja voz se sobressaia aos chiados do rádio de válvulas. Era pequena demais para entender o significado das noticias, mas me encantava com o aparelho – em madeira caprichosamente arqueada e com uma voz misteriosa saindo por entre a tela tramada de tecido e filetes metálicos. O mesmo sentimento de doce nostalgia me envolve quando recordo a eletrola grande da sala de casa e os momentos em que, muito miúda, saboreava escutar as histórias infantis dos pequenos discos coloridos de vinil. O som enriquecido de ruídos de fundo me levavam a uma viagem imaginária encantadora. Aquela era uma época em que se dava ao cérebro o trabalho de imaginar, de criar as imagens e também o tempo necessário para refletir sobre as palavras e seus significados. Éramos todos – crianças, jovens, adultos e idosos – ouvintes treinados: o entretenimento mais prazeroso nos entrava pelos ouvidos e fazia desta uma via importante de nossa sensibilidade. E as pessoas conversavam, proseavam muito.
Com o advento da televisão, rompe-se a primazia do som e entramos na era da imagem, com efeitos muito diferentes e, em alguns aspectos, bastante adversos. Enquanto para ouvir precisamos de atenção, sem a qual o som nem é captado, ver televisão exige apenas a presença de nossos corpos: diante do aparelho nos tornamos pateticamente hipnotizados por imagens e mensagens subliminares de todos os gêneros. Não precisamos fazer nada, nem pensar. O aparelho inaugurou a era da distração, que progressivamente invadiu todos os momentos da vida com cada vez maior número de aparatos de imagem. Em qualquer situação, nossa atenção é seqüestrada por estímulos visuais, capturada de mil modos e grande é o esforço necessário para resistir a tantos apelos.
De ouvintes atentos que em maioria éramos, nos transformamos em falantes distraídos. Esse é o mundo dos falantes – inclusive as máquinas. Somos “atendidos” por gravações e dialogamos com terminais eletrônicos e falamos com códigos: disque 1 para isto, 2 para aquilo, 3 para aquilo outro; conversamos com números. Os diálogos estão se tornando monólogos coletivos nos quais todos falam, falam, falam, sem que alguém se coloque na condição de ouvinte. Está cada vez mais difícil ouvir e ser ouvido.
Se nas situações pacíficas e harmoniosas, a falta de escuta é constante, nas cenas de conflito a possibilidade de alcançar entendimento por via do diálogo beira o impossível: ninguém quer ouvir a parte contrária. O importante é preservar a trincheira de seu ponto de vista. A comunicação é feita no modelo bombardeio. Cada um usa a munição que tem em mãos e, diante da bandeira branca da parte contrária, aproveita-se a brecha para recarregar as armas e achar um ponto vulnerável do interlocutor, tornado adversário.
Estão sumindo os ouvintes, acabaremos todos falando com as paredes.
Crônica Publicada no Jornal Agora, Caderno Mulher
dia 07/08/2010
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