quarta-feira, 23 de setembro de 2009

O DESEJO DOS OUTROS

     Publicada no Jornal Agora
Caderno Mulher Interativa
02/08/2008
     O que faz com que tantas pessoas esperem semanas para ter um determinado modelo de carro, mesmo havendo muitos outros disponíveis?


      São tantas as opções, algumas bastante semelhantes. Por que um determinado veículo consegue se tornar o objeto de desejo, diferente de todos os demais, um "sonho" a ser consumido? Questão análoga surge quando nos deparamos com outras escolhas e percebemos que alguma coisa atravessa determinada decisão, retirando-nos de sua autoria. Por exemplo: por que é mais fácil aceitar esperar por uma vaga em restaurante lotado do que entrar em outro que esteja vazio e ofereça a possibilidade de escolher confortavelmente um lugar dentre todos os disponíveis? Por que temos que comprar tudo o que os outros estão comprando e ir aos lugares onde todos estão indo?

     As respostas remetem a uma cena infantil que atravessa os tempos e resiste a todas as transformações de costumes. Crianças estão brincando e de repente "fecha o tempo" porque uma resolveu retirar o brinquedo com o qual outra se divertia. O que a criança está querendo não é o brinquedo em si; é a brincadeira, é o prazer que percebe no outro... É o desejo do outro. Tira o objeto querendo pegar o desejo do outro, que brinca, diverte, faz graça... A Psicanálise lacaniana muito bem trata do desejo do outro, mas não vou enveredar por este caminho, pois quero voltar para o cotidiano dos desejos coletivos.

     Quero falar dos desejos dos outros, pluralizados no coletivo amplo exageradamente chamado de "todo o mundo", que nos envolve e nos conduz ao senso comum, a termos todos as mesmas idéias ou agir como se as tivéssemos.

     É isto o que acontece nessa demanda de coisas que nos acenam com a promessa de felicidade completa, os sonhos de consumo que "todo o mundo" tem e que nos autorizam a deixar de usar nossas próprias cabeças para escolher. Há guias para nos conduzir a modos de ser, de vestir; guias para nos levar a lugares que nem sabíamos existirem, mas que não podemos morrer sem conhecer.

     Modas de todos os tipos que - com suas pretensões de vanguarda - nos colocam conformados e são por isso bastante tiranas. Ficamos todos sendo "Marias que vão com as outras", pasteurizados em modos coletivos de viver. Ser e agir como todo mundo nos coloca em trilhos e bem pode nos levar para o inferno existencial de não viver a própria vida e ainda pagar caro preço por isto. Podemos engrossar a fila dos que esperam por algum objeto da moda, mas que isso não nos tire o sono e nem o senso de medida. Podemos brincar com o que todo mundo brinca, usar o que está na moda, mas que essas coisas não se tornem imperativas em nossa vida, senhoras de nosso destino, e que se preserve em cada um de nós a originalidade, a autonomia e a liberdade de ser e de viver.

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