quarta-feira, 23 de setembro de 2009

VIDA BIPOLAR

Caderno Mulher Interativa
02/02/2008
    Do jeito como a coisa anda, quase ninguém escapará de ser taxado, diagnosticado e tratado como bipolar. Não se pode mais acordar amarfanhado, chegar de cara fechada para assunto ou mudar de disposição ao redor do dia. Foi-se o tempo em que isso era apenas algo que merecia o comentário de “dormiu de pé destapado” ou coisa do gênero. O abuso leigo e especializado do diagnóstico bipolar merece reflexão, pois tem gente que passou a usá-lo como identidade, como nome de batismo: “eu sou bipolar”.


   Pensando-se bem pensado, olhando para os lados, praticamente tudo o que se move e nos envolve tem dois pólos, circula entre o positivo e o negativo, entre o mais e o menos. Somos todos bipolares, é inerente a nossa natureza.

    São bipolares a bomba de sódio e potássio que mantém a atividade do músculo cardíaco e a energia elétrica que circula no cérebro. O corpo todo é movido a trocas de polaridade de suas células; regulado por permanentes flutuações biorrítmicas de temperatura e de pressão. Antagonistas oscilam constantemente a química interna dos hormônios, alterando a glicemia e o ânimo. A vida não flui na monotonia das retas, mas em ondas, em picos de altos e baixos. Entre a luz dos dias e a sombra das noites acordamos e dormimos, demarcando ciclos diários de um sistema cicardiano.

    Além desse sacolejante biorritmo, existe o constante bombardeio de estimulações externas. Estamos sempre sendo sacudidos por coisas que agradam e outras que perturbam, alternadas por intervalos sem dor e nem graça. Entre sortes e azares, avançamos, tropeçamos, retrocedemos e voltamos a avançar. Altos e baixos nos amores, nas finanças, na família, no trabalho. Tudo flutua dentro e fora de nós – esse é o pulsar da vida, natural e fisiológico.







Na vida que se leva, essas oscilações são ainda mais agudas, estabilidade é rara e quase não existem garantias que nos amparem. Em alguns momentos, parece que entramos contra a vontade numa montanha russa existencial, com direito a picos inesperados e loopings aterrorizantes. Novidades de todo tipo mais azucrinam do que facilitam, criando novas exigências. Tem que se saber de tudo mais um pouco e ainda pagar caro por cada uma das necessidades que nos são impingidas. Nas horas de lazer, o sucesso oferecido é Tropa de Elite ou os fuxicos do BBB. Se escaparmos dos diálogos fúteis ou da carnificina do filme, dificilmente deixaremos de ver e ouvir os massacres dos informativos diários da TV e do jornal. E temos que nos manter firmes e fortes, pois ainda nos são dados constantes avisos do aquecimento global e do perigo da extinção da humanidade. A Terra, que também é bipolar, está perdendo a energia de seus pólos, indispensáveis para manterem o equilíbrio flutuante.







Se tudo e todos somos bipolares, como fica então o tão em voga diagnóstico bipolar, que tanta gente anda vestindo como pele? Deve ficar como os demais rótulos psicopatológicos: no lugar clínico dos diagnósticos, servindo para prescrição de fármacos e condução psicoterapêutica. Ninguém é “o bipolar”. O ser humano é superior a qualquer diagnóstico médico ou psicológico e sempre poderá escapar dos prognósticos que lhe forem prescritos.



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