As grandes tragédias se inscrevem nas tramas dos fios de absurdas coincidências. Será que coisas tão importantes da vida podem acontecer ao sabor do casual, da singeleza simplória da sorte ou do azar?
Vivemos a sonhar, planejar coisas, nos pensando senhores de nossa existência e, num repente, no supetão de um instante, tudo sai do lugar, toma o rumo do inesperado, vai por águas abaixo, como se movido por uma avassaladora correnteza contrária. E lá se vão os sonhos, as expectativas e tudo o mais.
Se muito da nossa história de vida é constituída pelos frutos de nossos desejos, esforços ou méritos, há um bocado de coisas que, simplesmente, nos acontecem, independente de nossa liberdade de arbítrio. Surgem como se, por vezes, apenas cumpríssemos um roteiro escrito nas enviesadas linhas das mãos ou nas estrelas do céu – como dizem ciganas e místicos.
As coisas mais graves, mais importantes da vida parecem ter data certa, lugar marcado e protagonistas previamente selecionados, com scripts comandados por outra vontade, diferente da nossa. O destino não erra de porta, nem chega de véspera e nem se atrasa no dia ou na hora: é absolutamente certeiro. Diante dele, de nada adianta mandar dizer que não se está ou se esconder embaixo da cama. De pernas mais rápidas e braços mais compridos do que os nossos, chamo de destino a essa força que nos transcende, que nos supera, que se impõe para além de todos nossos maiores esforços.
Na Mitologia, o Destino é uma divindade nascida do Caos e da Noite. Inexorável, cega e poderosa, comanda todas as outras divindades: céus, terra, mar e os infernos. E assim parece ser o destino: um deus implacável, com jurisprudência própria que desconsidera méritos e virtudes. Diante de sua força, no mais das vezes, pretendendo ser seus cúmplices, conseguimos apenas nos tornar passivos reféns de situações que nunca desejamos e das quais tentamos, inutilmente, fugir.
Este senhor nem sempre surge como cruel ou injusto; temperamental, tem seus momentos de generosidade, de nos trazer; de surpresa, grandes presentes. É pela mão do destino que, contrariando todas as probabilidades, se encontram os amores improváveis e até os imaginados impossíveis. É pela mão da casualidade que se escolhe o bilhete da loteria e, literalmente, se muda de vida.
Diante do improvável, por certo, nunca estaremos preparados. Os que conseguem antever – e há pessoas com esse dom da premunição – apenas sofrem o inevitável por antecipação, agonia tornada ainda mais longa.
Podemos nos apegar à esperança de proteção mágica supersticiosa, o que não nos garante, mas pode resultar em algum alento. Talvez, porém, o que de mais efetivo possamos é nos desfazer da pesada culpa pelas responsabilidades que não temos sobre determinados fatos que nos acontecem (sem que isto nos autorize a fugir das demais responsabilidades) e, principalmente, fazer o que der, com o que nos vier.
Publicado em 21/01/2006
Caderno Mulher
Jornal Agora
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