Há alguns dias, uma professora
postou a foto de um passageiro de bermudas e regata, aguardando embarque em um
aeroporto. Comentou seu desagrado de ter que compartilhar espaço com esse “Sr.
Rodoviária”, como ela o chamou. O comentário foi inicialmente “curtido” e
reforçado por vários de seus amigos, mas logo gerou uma onda de críticas. O mal
estar da professora e de muita gente já havia sido antecipado há alguns anos
pelo escritor Antonio Prata, que escreveu uma crônica com o mesmo titulo desta,
em janeiro de 2011. Antecipava ele que a frase se tornaria o “você sabe com
quem está falando?” do século XXI, de tão repetida que seria. Como se vê agora,
certíssimo estava o autor, que anteviu os efeitos sociais gestados pelos novos
emergentes sociais.
Tem havido uma grande transformação em alguns
aspectos de nossa sociedade, elevando o poder aquisitivo dos que antes quase
nada possuíam e agora conseguem desfrutar muitos tipos de bens de consumo e
circular em novos espaços públicos. Embora os muito ricos estejam ainda mais
ricos e com isso vão construindo ilhas de isolamento, há momentos em que o
encontro de classes é inevitável. Esse encontro tem gerado grande desconforto
naqueles que estavam acostumados a usufruir uma exclusividade que chancelava
sua condição diferenciada.
Espaços Vips em aeroportos
continuam existindo para quem é “diferenciado” em alguns quesitos, como o
padrão de seu cartão de crédito ou a compra de passagem na classe executiva
internacional. Mas mesmo esses reservados já começam a ser facultados ao uso
com o simples e caro pagamento de um ingresso. Assim, a exclusividade que tanto
almejam algumas pessoas vai se esvaindo e os ditos emergentes também podem
usufruir as regalias de salas Vips , desde que se disponham a pagar
Os emergentes, que saíram lá de
baixo da escala social, não incomodam enquanto se tornam apenas consumidores,
mas passam a ser um estorvo no momento em que sentam nas cadeiras antes
reservadas para uso exclusivo de gente mais abonada. Essas levas de gente, com
seus trajes e modos, sobrelota espaços, tira o conforto dos folgados que
estavam até então muito bem acomodados. A
alguns, como no caso recém acontecido, o que mais incomoda são os trajes, num
preconceito cheio de desinformação. Afinal, em lugares de circulação
internacional, a variedade de roupas e hábitos é absolutamente normal. Muitos viajantes andam com roupas
amarfanhadas, gastas e até sujas com o natural despojamento de quem está só de
passagem, peregrinando. Os estrangeiros,
no entanto, são sempre bem vindos e bem tratados por aqui, ainda não estejam
cheirando bem e que seus países não nos retribuam a boa acolhida. Quanto aos
comportamentos, maus modos são por aqui bem democráticos e gente bem nascida
muitas vezes se mostra muito mal educada.
A questão é simplesmente
territorial, os emergentes são sentidos como invasores do território alheio, de
algo que não lhes pertence. Só que agora, também a eles pertence e como crianças
pequenas que não aceitam dividir seus brinquedos reagem as pessoas que não
estão suportando a situação. Essa tensão revela que vivemos por aqui um
apartheid social, com divisões concretas, ainda que por vezes invisíveis. Algo que precisa ser vencido e superado no
imaginário coletivo, para que possamos – no futuro – ser um país realmente
evoluído, em que rodoviárias e aeroportos sejam mais que semelhantes, sejam
iguais lugares de embarque e desembarque de passageiros, só isso.
(publicado em 22/03/2014)
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