quinta-feira, 3 de abril de 2014

O Aeroporto Está Parecendo Rodoviária


Há alguns dias, uma professora postou a foto de um passageiro de bermudas e regata, aguardando embarque em um aeroporto. Comentou seu desagrado de ter que compartilhar espaço com esse “Sr. Rodoviária”, como ela o chamou. O comentário foi inicialmente “curtido” e reforçado por vários de seus amigos, mas logo gerou uma onda de críticas. O mal estar da professora e de muita gente já havia sido antecipado há alguns anos pelo escritor Antonio Prata, que escreveu uma crônica com o mesmo titulo desta, em janeiro de 2011. Antecipava ele que a frase se tornaria o “você sabe com quem está falando?” do século XXI, de tão repetida que seria. Como se vê agora, certíssimo estava o autor, que anteviu os efeitos sociais gestados pelos novos emergentes sociais.
 Tem havido uma grande transformação em alguns aspectos de nossa sociedade, elevando o poder aquisitivo dos que antes quase nada possuíam e agora conseguem desfrutar muitos tipos de bens de consumo e circular em novos espaços públicos. Embora os muito ricos estejam ainda mais ricos e com isso vão construindo ilhas de isolamento, há momentos em que o encontro de classes é inevitável. Esse encontro tem gerado grande desconforto naqueles que estavam acostumados a usufruir uma exclusividade que chancelava sua condição diferenciada.
Espaços Vips em aeroportos continuam existindo para quem é “diferenciado” em alguns quesitos, como o padrão de seu cartão de crédito ou a compra de passagem na classe executiva internacional. Mas mesmo esses reservados já começam a ser facultados ao uso com o simples e caro pagamento de um ingresso. Assim, a exclusividade que tanto almejam algumas pessoas vai se esvaindo e os ditos emergentes também podem usufruir as regalias de salas Vips , desde que se disponham a pagar
Os emergentes, que saíram lá de baixo da escala social, não incomodam enquanto se tornam apenas consumidores, mas passam a ser um estorvo no momento em que sentam nas cadeiras antes reservadas para uso exclusivo de gente mais abonada. Essas levas de gente, com seus trajes e modos, sobrelota espaços, tira o conforto dos folgados que estavam até então muito bem acomodados.  A alguns, como no caso recém acontecido, o que mais incomoda são os trajes, num preconceito cheio de desinformação. Afinal, em lugares de circulação internacional, a variedade de roupas e hábitos é absolutamente normal.  Muitos viajantes andam com roupas amarfanhadas, gastas e até sujas com o natural despojamento de quem está só de passagem, peregrinando.  Os estrangeiros, no entanto, são sempre bem vindos e bem tratados por aqui, ainda não estejam cheirando bem e que seus países não nos retribuam a boa acolhida. Quanto aos comportamentos, maus modos são por aqui bem democráticos e gente bem nascida muitas vezes se mostra muito mal educada.

A questão é simplesmente territorial, os emergentes são sentidos como invasores do território alheio, de algo que não lhes pertence. Só que agora, também a eles pertence e como crianças pequenas que não aceitam dividir seus brinquedos reagem as pessoas que não estão suportando a situação. Essa tensão revela que vivemos por aqui um apartheid social, com divisões concretas, ainda que por vezes invisíveis.  Algo que precisa ser vencido e superado no imaginário coletivo, para que possamos – no futuro – ser um país realmente evoluído, em que rodoviárias e aeroportos sejam mais que semelhantes, sejam iguais lugares de embarque e desembarque de passageiros, só isso.
                                                                           (publicado em 22/03/2014)

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