A crise da água há muito
anunciada chegou, é assunto do dia. As notícias dão conta de rios e
reservatórios secos, de cidades sofrendo com falta de abastecimento de água.
Explicações científicas comprovam os efeitos de fenômenos climáticos
previsíveis e também os desperdícios que poderiam ter sido evitados, os
problemas que poderiam ter sido minimizados. Por outro lado, governos se
revezam sem seriamente assumirem compromissos com o meio ambiente ou com as
ações necessárias ao responsável uso da água. Desviam-se rios, constroem-se
cada vez mais barragens, como se a rota sinuosa, caprichosamente desenhada pela
natureza, não guardasse sabedoria. Quando surgem conseqüências indesejadas,
novos equívocos são cometidos, intervenções tão caras quanto desastrosas. A
crise hídrica traz consigo o colapso energético, portanto, além da falta de
água, está vindo junto falta de energia. Esse é o porvir que nos está chegando,
num tempo em gerúndio, não num futuro hipotético.
Por enquanto, apenas os “outros”
estão sofrendo privações de água. Por estas bandas continuamos a ter cacimbas
cheias e certo sentimento de que assim continuaremos, sempre protegidos, imunes
a essa e todas as crises. É a sensação enganosa de não ter nada haver com a
situação, a indiferença moral garantida pela distância psicológica. Por mais
que as notícias nos cheguem em imagens bem vivas do sofrimento alheio, se as
pessoas não nos são próximas, não nos dizem respeito. Seca no sertão? Guerra
por água do Sudão? Gente morrendo por falta de água na África? Isso tudo é
muito distante. São Paulo sem água? Ainda parece inacreditável, mesmo diante da
imagem de reservatórios vazios. Se não temos pessoas ali que nos sejam
importantes a sofrer o problema, é como se ele – o problema – não existisse.
Assistimos a tudo isso inertes,
seguimos a abusar da água, nos ensaboando distraídos, embaixo de chuveiros
abertos. É a dissociação entre excesso de informação e ausência de reflexão e
de conhecimento consciente: sabemos que a água é o ouro deste século XXI, causa
de conflitos e guerras, mas lidamos como se nós – apenas nós – fossemos os
senhores de uma fonte inesgotável e o resto da humanidade não nos importasse.
Enquanto a crise bate na porta de
vizinhos cada vez mais próximos, vamos continuar a curtir o delírio da eterna
abundância? Sinceramente, acho que já é tempo de tomarmos tenência, poupando o
que ainda desfrutamos. É hora de adotarmos
novos hábitos, mudarmos conceitos e valores. À nível de atitudes pessoais
podemos ressuscitar e tornar persona-grata um antigo personagem familiar
conhecido de toda gente antiga: dona Parcimônia. Essa criatura que atucanou a infância das
pessoas que, como eu, já viveram mais de meio século. Gente que na infância
tomava banho de caneca, numa grande bacia de metal. Gente que se abanava com
leques para aliviar o calor nos dias abafados, pois ventilador era luxo,
disponível para poucos e a energia era cara.
Pois esses tempos estão de volta. Para sofrer menos, o melhor é começar
a ter atitudes de poupança, reduzindo o tempo no banho e o uso de água, enquanto
ela ainda jorra abundante. Desligar o split e se abanar de vez enquanto é de
bom tom, assim nos iremos acostumando a nova situação, treinando os músculos e
a exercitando a tolerância ao desconforto. É bom ir treinando e agradecendo por
ainda estarmos na fase do ensaio.
(Publicada Jornal Agora - 7/2/2015)
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