Não estamos desnorteados, apenas
temos vários Nortes. Essas palavras estavam impressas numa camiseta do
movimento anti-manicomial, lá no início da última década do século passado.
Fazia sentido, pois entender a loucura é conseguir compreender a sobreposição
de lugares, coisas, tempo; a mistura dolorosa de imaginário e real, a
significação dos confusos delírios, a trama das alucinações. Quem percorreu ou
de algum modo se aproximou do mundo das psicoses sabe bem o que sejam esses
vários nortes. Fora disso, só no terreno dos sonhos podemos vislumbrar essa
estranha mistura de dimensões. Nos sonhos encontramos esses vários nortes: podemos
ser e não ser, a um só tempo. Podemos estar simultaneamente em vários lugares,
fazendo coisas impossíveis, como se naturais fossem. Nos sonhos vai-se a
primazia da realidade e o prumo da razão, impera o imaginário e o simbólico. Os
sonhos são sempre meio loucos. Tão perturbadores que nós, ao despertarmos, para
aplacar a angústia, tentamos colocar pontos e costurar o nó de sentido que
estava solto e sem nexo. Só assim podemos contar uma versão plausível do
caótico filme que animou ou assustou nossa noite.
Ter vários nortes é tão
desorientador quanto não ter noção de onde esteja o Norte, pois na verdade é a
mesma coisa. O ponteiro da bússola, sem conseguir ficará saltitando de um lado
para outro, sem encontrar o ponto N que nos serviria de guia, timoneiro do rumo
a ser traçado.
Pois se até agora ter vários
nortes só nos poderia acontecer nas tormentas da loucura ou no universo dos
sonhos, agora parece estar acontecendo com a realidade a nosso redor. Por mais
racionais, lúcidos e equilibrados que estejamos, estamos sendo confrontados com
um emaranhado de cenários reais que se transmutam a cada dia. O que era líquido
e certo até ontem a noite pode amanhecer completamente diferente no dia
seguinte. As decisões, por melhor pensadas e bem fundamentadas que tenham sido,
se pulverizam diante de novas perspectivas que surgem a cada instante, alterando
a ordem do que até então nos balizava o caminho. Noticias nos bombardeiam com mudanças que mudam
o prumo de nossas vidas e nos obrigam a traçar, às cegas, novas coordenadas. À carestia de tudo, aos cada vez mais
escabrosos escândalos financeiros, aos anúncios de atrasos de salários e de
desemprego em massa, se soma uma única certeza: a de que nada está garantido em
nosso porvir.
Como camaleões, temos que mudar a
todo instante, seguindo a orientação de uma biruta do tempo que se apossou do
que era nossa bússola de confiável orientação. Com vários nortes e sem um Norte
seguro no horizonte, falta-nos o Sul, o Leste e o Oeste. Esta parece ser a
nossa coletiva situação, que é especialmente grave aos mais jovens, que tem no
futuro seu maior patrimônio. As incertezas que por ora sacodem a economia do
país e especialmente de nossa cidade custarão mais caro a esses moços que
precisam fazer projetos de vida e não encontram amparo em mínimas certezas.
Buscando um fio de esperança, um
derradeiro consolo, surgem duas pequenas, sábias e mágicas palavras: tudo
passa. Só a confiança na sabedoria da impermanência nos fortalece e alenta com
a esperança de que um dia reencontraremos o Norte e melhores tempos haverão de
chegar.
(publicada - Jornal Agora - em 21/03/2015)
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