O
título acima acompanhava a foto do sorridente casal de jogadores de poker. A
matéria enaltecia o jogo, galgado oficialmente à condição de esporte e em
franca expansão. Todo o texto falava das maravilhas de devotar a vida a sua
prática e dos benefícios que traria à saúde da mente, além da vantagem de poder
se tornar profissão altamente rentável.
A
frase agrediu minha sensibilidade. No mundo no qual não há lugar para fraqueza
humana só há gente forte? Pois na dita matéria apenas eram mencionados
ganhadores, personagens dignos de admiração. E os perdedores – pensei eu,
buscando-os linha a linha, parágrafo a parágrafo, sem os encontrar na
reportagem. Fui pesquisar mais o assunto. Só consegui entender a filosofia
vigente no poker quando descobri que “todos os valores reprimidos em uma
sociedade competitiva são libertados e colocados em primeiro lugar na ordem das
regras de convivência (no poker)”, como diz o livro Strategy in Poker, Business
& War, de John McDonald. Acrescentando ainda “fraternidade? Fé? Caridade?
Essas são as qualidades menos importantes de um bom jogador de poker”.
Portanto, os fracos, os jogadores derrotados que se danem; que sequem
suas lágrimas, sumam da cena e arrastem consigo o desespero dos prejuízos e as
tantas vezes trágicas consequências de seus fracassos.
A
minha leitura da matéria foi feita pelo viés de quem dedicou a vida ao cuidado
humano, dando voz e vez exatamente aos mais fracos, aos mais frágeis. E, talvez
por meu olhar enviesado, as táticas desse jogo me choquem tanto. Conheço o
outro lado, onde moram os que não se deram bem, os que apostaram tudo e
perderam. Conheço o lado das mulheres que ficaram em casa solitárias cuidando
de filhos, enquanto seus maridos deixaram de serem companheiros para vararem
noites a fio na companhia das cartas.
Mas,
não é só no poker que se enaltecem êxitos e se subestimam derrotas. As
reportagens sobre empreendedorismo costumam também entoar o canto da sereia:
mostram só o lado dos que estão no lucro, a turma “fraca”, que amargou perdas
não aparece nem nas sombras das entrelinhas. Fazem assim, mesmo sabendo do alto
índice de negócios que não dão certo e das conseqüências graves que acarretam
em tantas histórias familiares.
O
fato notório é que, enquanto os que alcançam a gloria do sucesso se gabam
cobertos de soberba e arrogância, como se tudo fosse fruto exclusivo de
méritos, as histórias dos perdedores deixam de ser contada. Os que sucumbem não
aparecem, relegados a frieza dos números e a indiferença das estatísticas, como
se não envolvessem destinos, vidas, pessoas, famílias.
O
mundo onde os fracos não têm vez é o retrato da capacidade humana de, podendo
evoluir para uma existência mais solidária, espiritualmente superior, ainda
teimar em escolher modelos egocêntricos, seguindo o caminho da barbárie social,
da indiferença ética e moral. Para meu consolo, esses “fortes” insensíveis e
cruéis, por mais poderosos que sejam, representam, na verdade, apenas uma
minoria da humanidade. Isso é um grande consolo e uma valiosa esperança,pelo
menos para mim.
(publicada no Jornal Agora - 25 outubro 2014)
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