Ainda se ensinam às crianças a temerem
estranhos e desconfiarem de quem não conhecem. Atrocidades recentes, porém, tem
demonstrado o quanto a ameaça maior à infância pode estar em pessoa próxima,
conhecida, e até na intimidade da própria família. Mas, afinal, quem são os
tais “estranhos”?
Pela lógica do senso comum,
estranhos são mais do que meros desconhecidos. São os que vem de um mundo
diferente do nosso, que se trajam e se comportam de outro jeito. Por critérios
subjetivos geralmente se refuta como ameaçadores estranhos todos os que se
situam em situação econômica muito inferior, em posição social desfavorável. E
por serem assim tão diferentes, exóticos, merecem distância, desconfiança e até
desprezo.
Já os parecidos conosco, os que
nos espelham, despertam confiança e afinidade. Também aqueles nos quais nos
desejamos espelhar, por mais diferentes que sejam de nós, contam com sentimentos
positivos de afeto. Se estiverem acima, em condição superior, merecem crédito, admiração,
respeito e adulação, a despeito de mérito ou caráter, como tanto se vê no
universo da idolatria a celebridades e no sucesso dos golpistas bem
apresentados.
Outro sinal que demonstra e
confirma o modo como as pessoas se escolhem é a expansão dos condomínios
fechados, com suas ruas exclusivas e gente de viver semelhante, que se afina ou
imagina se afinar por identificação.
Assim se erguem altos muros visíveis e mais algumas barreiras
invisíveis, mas intransponíveis, demarcando territórios exclusivos. De um lado, os que estão “podendo”, os donos
do pedaço, de outro os mal-ajambrados em geral, o resto excluído. Resto é
palavra que se ajusta como luva às demais pessoas, que não tem condições de
morar no condomínio, nem direito de sequer pisar em sua calçada e representam
ameaça pelo simples fato de existirem, de serem presenças indesejáveis.
A essência humana, entretanto,
transcende aos trajes e as posses. Gente mal vestida é capaz de atitudes de
extrema elegância e generosa cortesia. Já pessoas finamente trajadas não raro
são protagonistas de maus modos e grosserias escabrosas. Paradoxalmente, a vida mostra que nos tornamos
todos muito semelhantes quando desprovidos dos enfeites e penduricalhos que nos
diferenciam. Colocados em condição de igualdade, como nas tragédias, nas situações
de graves crises ou colapso social, reencontramos a genuína humanidade que a
todos irmana, nos fazendo capazes de atos de nobreza, generosidade e
solidariedade. Esses efeitos tem sido muito vistos nas dramáticas cenas de
êxodo de multidões em busca de exílio na Europa, em que pese a situação também
tenha feito surgir reações de hostilidade, que expressam o lado menos nobre do
ser humano.
Esses movimentos populacionais
que a tantos desaloja e tantos conflitos geram acenam com a possibilidade de
construção de um outro mundo, que exigirá novas referências e novos valores.
Não vai sair barato e deverá ser bem doloroso o processo de transição. Mas
haveremos de evoluir para o entendimento. Precisamos fazer deste Planeta um
lugar em que a diversidade nos enriqueça e que todos os seres se considerem, se
tratem e se respeitem como semelhantes, apesar e acima de qualquer
estranhamento. Do jeito como a coisa está, certamente não vai ficar. Quem tiver
a sorte de sobreviver, há de ver surgir esse novo ciclo.
(Publicado no Jornal Agora - em 19/09/2015)
(Publicado no Jornal Agora - em 19/09/2015)
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