Pai? Para que? Assim parecem
pensar algumas mulheres que decidiram importar sêmen humano, escolhendo-o com o
critério da melhor genética, segundo a lógica estética do “alto, loiro e de
olhos azuis”. O pensamento é um tanto
semelhante ao aprimoramento genético desejado por Hitler, apenas aplicado à
escolha individual. Também remete ao mundo criado pela reprodução da espécie de
forma selecionada e não sexual, retratado magistralmente por Aldous Huxley em
seu livro Admirável Mundo Novo (ano 1932). O homem, o pai, entra nessa história
apenas como reprodutor qualificado, idêntico ao que já se faz com a classe
animal, sem dilemas éticos, morais ou emocionais. O filho sob encomenda
prescinde da presença paterna, tornada opcional, mero detalhe. A mulher se alforriou, literalmente, da
necessidade de parceiro para engravidar. Além da perda de importância do pai no
ato de gerar filhos, há hoje o desprestígio da função simbólica da paternidade,
que segue outro nexo, independente da biologia e da genética
Talvez por uma conspiração de
fatores como a ascensão do feminismo, a liberação da mulher com radical mudança
no modo de viver e na organização das famílias. Talvez pelas transformações
produzidas pelas novas tecnologias, dominadas pelos jovens da geração Y, nascidos
para mandar e não obedecer, desde a saída das fraldas. Talvez por tudo isso e
mais alguns outros motivos, o pai e a autoridade de sua palavra parecem
proscritos do cenário familiar. É neste ponto que a coisa se torna mais
complexa e problemática.
Enquanto a mulher vai sendo
talhada desde as brincadeiras de infância para a maternidade e, ainda que assim
não o seja, pode amadurecer seu aprendizado ao longo das transformações da
gestação, o pai só irá entrar na história psicológica do filho bem mais
tarde. Nas fases iniciais o pai pode ser
um coadjuvante das funções da mãe. Valioso se for presente, solidário e amoroso
nesse momento, mas seu papel mais importante só virá mais adiante. Dele é a
função de estabelecer limites, os tantos “nãos” necessários, as frustrações
fundamentais e também o estímulo à superação de desafios. Pode a mulher
acumular as funções maternas e paternas, por certo, porém a vida nos mostra o
quanto é difícil manter este equilíbrio no duplo papel parental. Ou a mulher
fracassa no seu papel de pai ou se atrapalha bastante com as funções maternas. Excessos
ou prolongamento da função materna fez surgir a “geração canguru”: adultos que resistem
em alçar autonomia e assumir responsabilidades, para não perderem roupas
lavadas, comida e casa de graça.
Segundo termos psicanalíticos, o
pai representa a Lei e a Castração, fundamentais para que o filho possa romper
a proteção dos braços maternos e ganhar o mundo com as próprias pernas. Quando
avança a idade da prole e seu desenvolvimento evolui, a cena familiar vai precisando
cada vez mais do protagonista paterno. Há que se ter força para segurar birras
de pequenos pirralhos, mas é preciso braço forte, pulso firme e autoridade
moral para lidar com arroubos adolescentes ou com os excessos dos jovens
adultos. A força masculina aparece como algo tão fundamental que sua ausência faz
marcas profundas e pode ter conseqüências trágicas como a criminalidade e a
violência.
Neste domingo, milhões de pessoas
não terão a quem homenagear, beijar ou mesmo apenas lembrar, pois são os filhos
de pais desconhecidos, que arrastam pela vida a fora a certidão de nascimento
incompleta e uma falta em ferida aberta ou inesquecível cicatriz. O filme “Nada
sobre meu Pai”, da cineasta Susanna Lira e o livro “Em Nome da Mãe – o não
reconhecimento Paterno no Brasil”, da filósofa e socióloga Ana Liese, são
sugestões para quem queira saber mais sobre o quanto a presença de um pai é
indispensável.
(publicada Jornal Agora - em 08/08/2015)
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