São tantas as fontes de
inspiração no diário festival de absurdos que quase é preciso sortear o tema a
ser abordado. Inesgotável, por exemplo, é
a publicidade com seus abusos de imagens e palavras usados de todas as formas
para forjar opiniões, fabricar desejos e inventar necessidades. Nestes dias que antecedem à Copa tudo nos é
oferecido com os sorridentes rostos do futebol: de carros a cuecas, de
empréstimos a ofertas de supermercados. Os artistas da vez não questionam
produtos, qualidade e menos ainda quem os fabrique: anunciam qualquer coisa em
troca de bons pagamentos. Tudo por dinheiro!
Uma das peças publicitárias que me
chamou atenção foi a que vende “lembranças” da Copa, incitando a compra com o
argumento de que o evento se tornará inesquecível se o incauto torcedor comprar
fulecos e outros cacarecos. Não basta assistir os jogos ou torcer pelo time, é
preciso ir para o estádio vestido de ridículo, com boné e mochila do fuleco,
além da tradicional camiseta do time. Não foi esquecida a maioria que não
poderá ir aos estádios, para esses há também uma gama de produtos como fuleco
de pelúcia, almofada do fuleco e etc. Se a pobre criatura resolver vestir a
casa com a Copa vai ficar parecendo um museu do fuleco, pois o bicho estará por
toda parte.
Passados os esfuziantes trinta
dias do certame, essas caras lembrancinhas ou irão para o lixo ou passarão a
compor o cenário dos acumuladores, tornando-se desafio para a limpeza diária e
organização da casa. Infelizmente, disso a maioria só se dará conta após
passada a delirante febre do campeonato.
A memória e seu acervo de
lembranças é algo precioso, não deveria se imiscuir com miúdos interesses
econômicos. A efervescência das emoções,
os entusiasmos passageiros marcam a mente de forma muito tênue, rapidamente se
desmancham. Alguns lances das melhores partidas de futebol serão lembrados
apenas por alguns dias - se tanto. Só
especialistas ou fanáticos conseguirão recordar detalhes e autores das melhores
jogadas. O restante todo será descartado da memória para que o sistema não
fique sobrecarregado ou restará embaralhado numa confusão de nomes e times. Neste
sentido, competições esportivas são bons exemplos da impermanência da vida na
qual tudo passa, absolutamente tudo. De
pouco adianta querer preservar lembranças através de objetos. Mesmo
fotografias, se não forem reconhecidas pela memória, acabam sendo mero
amontoado de imagens. A competição oferecerá momentos de entusiasmo para muita
gente, gerará protestos para outros tantos e será indiferente para outro tanto
de gente. Após um mês de partidas, feriados inventados, pouco trabalho, muita
confusão, acabará, passará.
Desta copa ficarão algumas
lembranças por muito tempo, por certo: obras faraônicas, alguns mausoléus
esportivos ou umas tantas estruturas publicas inacabadas. É o tal legado da Copa,
as exigências do Patrão Fifa e seus padrões, cujo preço seguiremos todos
pagando. O Fuleco e os cacarecos se juntarão aos bibelôs empoeirados em casa ou
ajudarão a aumentar o lixo do Planeta. O Brasil continuará com os mesmos
problemas sociais, econômicos, éticos e morais. E a vida vai seguir em frente,
completamente indiferente a esta loucura toda.
(Publicada Jornal Agora em 31/05/2014)
Nenhum comentário:
Postar um comentário