Após muitas crises de
relacionamento com o computador e a internet, voltei à caneta e ao papel. O reencontro
com minha letra se deu com certo prazer e uma pitada de surpresa: continuo –
ainda – com a mesma de letra de antes. Apesar da falta de uso, não perdi a
capacidade de escrever. Que alívio!
Os manuscritos são muito confiáveis. O que está escrito,
grafado no papel, não se auto destrói facilmente, não deleta a si mesmo, não
some no piscar de um desavisado instante. O risco de se perder a folha de papel
é ínfimo diante das múltiplas e constantes ameaças virtuais.
O pensamento parece agorafluirmais
aliviado, sereno e lúcido, seguindo a cadência das letras. As mudanças de
percurso das ideias ficam registradas com riscos, deixando à mostra a marca de
palavras suprimidas ou traços em lança apontando para aquilo que foram
acréscimos ao texto original.
Na busca de papéis para escrever,
reencontrei os restos de uma antiga agenda: dentro de uma bela capa de couro,
com etiqueta metálica dourada, restavam apenas algumas folhas de mapas e as
páginas dedicadas à agenda de endereços. Com surpresa reencontrei extintos
telefones de amigos perdidos na vida, nomes de outros já falecidos e de pessoas
que apenas cruzaram rapidamente minha existência. Tudo nítido como se houvesse
sido escrito no dia de ontem, embora tenham sido grafados há quase vinte anos.
Se os telefones já para nada servem, os nomes registrados pinçam na memória
vívidas lembranças de bons pedaços de minha existência. E, só por isto, por
despertarem recordações adormecidas, já se tornam significativos. Parecem de
algum modo preciosos, como se fossem capítulos, pedaços concretos da história
real que vivi, uma breve viagem no tempo, rápida volta ao passado.
Os manuscritos são assim fiéis, não são
voláteis, não evaporam pelo ar e só desaparecem após se ter o duro trabalho
físico de destruí-los. Dirão os críticos de mim que papéis se perdem, sim. Mas
eu teimarei em rebate-los. Tudo o que se perdeu se pode acalentar esperanças de
reencontrar. Já a possibilidade de resgatar coisas escafedidas nos espaços
virtuais costuma ser mais do que improvável, beirando o impossível. Escrevo
este elogio aos manuscritos com a experiência de quem em distantes dias se
fascinou com a rapidez da datilografia e depois foi encantada com as aparentes
facilidades do mundo virtual.
Volto aos quadrantes do papel,
retorno ao exercício da escrita manual, reencontro minha letra com a alma curtida
pelos reveses de tantos trabalhos perdidos nos ralos internáuticos,
defenestrados pelas janelas invisíveis da internet. O texto transcrito para o computador vai a
nível de alinhavos, mas se por algum motivo for perdido, com facilidade será
resgatado em sua essência à partir do rascunho escrito. Deixei de me sentir
refém dessa coisa tão sofisticada, porém tão arisca chamada computador.
(publicado em 14 de junho 2014)
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