O mundo no qual vivemos está sendo
desmaterializado, pulverizado em espaços virtuais e trilhas invisíveis. As
coisas estão deixando de serem concretas, palpáveis, e essa avalanche de
mudanças radicais vai sendo absorvida com indiferente naturalidade.
Enquanto escrevo, meus olhos dão
de encontro com alguns metros de cabo de internet, enrolados no canto da sala
por estarem em desuso já há algum tempo. Rastros de uma época recente em que fios
ainda estavam ligados a tomadas para permitirem a conexão à internet. Agora
jazem prescritos pelo avanço das tecnologias wireless e em breve se juntarão a
mais um lote de lixo limpo. Nas prateleiras à minha frente também sobreviveram
uns poucos CDs, remanescentes dos tempos anteriores aos pendrives. Estes, os
pendrives, não vieram para ficar, serão banidos ainda mais rapidamente,
substituídos por arquivos volatilizados nas nuvens, em lugar incerto e não
sabido.
Pois nesse universo aonde tudo
vai ficando virtual uma criatura pré-histórica, quase um fóssil vivo (se isso
fosse possível), luta bravamente para manter a vida sustentada apenas em coisas
palpáveis. Essa criatura, que sou eu, resiste a rasgar seus guardados e mandar seus
registros e todas suas recordações para o espaço, literalmente. Após voltar a
escrever cartas, com o serviço extra de enfrentar longa espera nos Correios,
voltei a imprimir as melhores fotos que tiro. No futuro, não muito distante,
talvez isso se torne impossível. Sabe-se lá onde vão parar as transformações. Além
do mais, para quem aprecia a arte da fotografia nada melhor que a imagem
impressa.
Outra dificuldade que me está
afetando é a desmaterialização dos mapas. Agora só recorrendo a Google maps ou
ceder ao GPS. O apetrecho eletrônico guia o sujeito até seu destino e a
criatura nem precisa saber o caminho. Resultado: já não se encontram mapas de
ruas das cidades, por falta de demanda. Alias, muita gente já nem sabe mais
“ler” um mapa. E como fico eu, que preciso de mapa para saber onde estou e
planejar a rota para chegar onde desejo quando estou em viagem por lugares
desconhecidos? Sou obrigada a recorrer à internet, fazer um esboço do trajeto e
levar comigo, ao estilo das rotas de navegação em trilhas.
O dinheiro também está sendo
desmaterializado, conspirando para que se perca a noção de seu valor e ajudando
criminosos engravatados a roubarem bilhões. Se precisassem carregar tudo o que
saquearam ficaria mais difícil sua ação e dificilmente passaria despercebida.
Pode parecer um saudosismo
absurdo de uma mulher retrograda e ultrapassada, mas não sou só eu a pensar
deste jeito. Faço parte de uma vanguarda que percebe os efeitos perigosos e
negativos da dependência as tecnologias que estão desmaterializando o mundo a
nosso redor, tornando-o líquido, volátil e invisível. É o caso da Alemanha, onde
voltaram a ser muito vendidas maquinas de escrever, em função da perda de
confiança na comunicação virtual. Esse mundo que se liquefaz, pulveriza,
desmaterializa as coisas pode oferecer mil facilidades, mas elas privam a
liberdade de escolha de quem não queira nadar a favor das novidades correntes.
E esses, no qual me incluo, precisam resistir teimosa e bravamente para com as
mãos salvarem o que lhes for possível, pois todo o resto será banido.
(publicada no Jornal Agora - 29/11/2014)
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