Há quem sonhe encontrar o tesouro
da vida guardado em dourado baú deixado por algum ancestral ou passe sonhando
receber o espólio de um parente próximo que, imaginam, seja muito rico. Normalmente,
essas são situações enganosas: ou o dinheiro nunca chega, ou nem é tanto e
ainda precisa ser dividido por mais gente. Há outros que dedicam sua efêmera
passagem a amealhar patrimônio. Juntam muitos bens para deixar amparada a
existência de sua descendência. Esse pensamento
talvez explique a ganância, a usura e outras atitudes doentias relacionadas ao
dinheiro. Só a necessidade de viver
várias vidas – através de outras pessoas – justifica juntar desmesuradas
fortunas.
As heranças, via de regra, trazem
problemas, pelo menos no que trata de bens materiais. Riqueza que cai assim do
céu, vinda em decorrência da morte de outra pessoa, parece ser pesada demais. Há
um sentimento de culpa inerente ao recebido, assim diz a Psicanálise. O
patrimônio herdado queima nas mãos, precisa ser logo vendido, trocado,
pulverizado em coisas passageiras. Daí uma frase antiga, mas sempre atual: pai
rico, filho nobre, neto pobre. Poucos são os herdeiros que valorizam e
preservam o que recebem, salvo se o espólio material vier acompanhado de um baú
de muitas boas memórias e sábios ensinamentos, como acontece em gerações
sucessivas que tocam e aprimoram negócios familiares. Essas são abençoadas pela transmissão de
ideais de vida, de valorização do trabalho e da família, algo freqüente na
cultura italiana e alemã.
A grande herança, entretanto, é
imune a impostos, a cobiça, a ódios, a crimes e todos a recebem, embora a
maioria nem se dê conta. Todos recebemos ao nascer uma bagagem genética, uma
coleção de genes herdados de pai e mãe e de seus ancestrais. Essa cota que a cada um cabe é única, como cada
filho é único, mesmo os que sejam gêmeos. Nesta valiosa bagagem podemos ser
aquinhoados com fatores de proteção a algumas doenças graves, para nossa maior
sorte, ou ao contrário poderemos vir marcados com a tendência a sofrer certos
agravos de saúde. Por conta dela seremos mais ou menos belos, inteligentes, altos,
etc. Também podemos descobrir alguns talentos inatos, reconhecidos nos parentes
diretos ou vindos de gerações muito anteriores.
Entretanto, qualquer que seja a carga genética que nos tenha sido
atribuída, ela não é um destino: poderemos reverter tendências negativas, do
mesmo modo como poderemos não aproveitar as habilidades geneticamente
recebidas. Todo esse capital inato da
herança genética é feito por uma transmissão involuntária, resultado de
combinação de fatores aparentemente aleatórios que a uns protege e a outros
ameaça.
Além da saúde, inteligência ou
formosura que nos tenham sido destinadas pela genética, a maior de todas as
fortunas que poderemos herdar só pode vir pela via da transmissão, pelo
ensinamento, pelo exemplo, pelo modelo. Essa realmente é a grande herança, a
mais valiosa e a única que podemos voluntariamente receber dos ancestrais ou deixar
aos descendentes.
Escrevo esta crônica em grata
homenagem a minha mãe, Iara, que completará 90 anos nos próximos dias. Não
herdei sua beleza e nem seus olhos azuis, mas da poetisa recebi certa
facilidade com as letras, grande legado de ensinamentos de vida e, quiçá, a
longevidade?
(publicada no Jornal Agora - em 11/07/2015)
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