quinta-feira, 3 de abril de 2014

Tudo Pela Hora da Morte

O serviço era simples e demandaria menos de um dia de trabalho, mas o orçamento ultrapassou dois meses de salário mínimo. Nada que o justificasse a não ser a vontade do prestador que, sem constrangimento, orçou sua mão de obra a um custo mensal superior ao salário de um magistrado ou um Ministro. O disparate me pegou de surpresa. Poderia imaginar qualquer preço, menos o que me foi apresentado com a naturalidade dos justos e certos. A cena não é rara. Muitos leitores já se devem ter deparado com coisa semelhante.
 Está tudo pela hora da morte, principalmente imóveis e serviços. Estamos por aqui vivendo um momento de abusos generalizados. Insuflados por um otimismo exacerbado, nossos conterrâneos mudaram o patamar de seus valores. De cidade esquecida no tempo, de fim do mundo, virou subitamente o eldorado, a terra prometida. A virada não tem feito bem a nossa alma coletiva. Os mais gananciosos, que parecem ser muitos, subiram o preço de tudo. Aproveitando-se da oportunidade, estão indo com muita sede ao pote: imóveis são oferecidos a preços que não valem; serviços são cobrados como se todos os riograndinos e os que aqui vieram morar tivessem se tornado donos de poços de petróleo, sócios de estaleiros ou donos das plataformas produzidas. Após tanto conviver com as durezas das vacas magras, essa gente perdeu o senso. Enlouquecidos, acham ou pensam ter achado a galinha dos ovos de ouro e querem que ela produza minas de ouro e não apenas ofereça cotas periódicas de sua riqueza.
Certamente, pouca gente viu um filme verídico chamado “El baño Del Papa”, que retrata fato acontecido na cidade de Melo (Uruguai), no ano de 1988, quando da visita do Papa. É filme que vale ser visto pela arte, pelo misto de drama e comédia, que nos faz rir e chorar. A população da pobre cidade sobrevivia de pequenos contrabandos e escambos, quando foi noticiada a visita do Papa e a impressa passou a propagar as grandes oportunidades de negócios que isto ofereceria. O povo ensandecido gastou tudo o que tinha e mais o que não possuía para montar algum comércio e ganhar muito dinheiro com a rápida passagem do Pontífice. O final? Foi uma terrível decepção. Mas todo o ocorrido só foi possível por uma combinação de fatores: a mídia instigando e a população entrando num estado de coletivo desvario. Salvadas as proporções, nossa noiva do Mar vive um processo semelhante.

Mas tudo passa, absolutamente tudo: o que é ruim, passa para nosso alivio, e - do mesmo jeito – passa o que é bom, para nossa tristeza ou nosso maior aprendizado. Agora entramos na fase de momentânea vasante, com desemprego maciço dos trabalhadores temporários e, em conseqüência, diminuição do fluxo dos negócios. Tudo absolutamente natural, de acordo com a vocação dos empreendimentos instalados. Esses períodos de entressafra talvez ajustem o senso de medida e façam com que os exploradores em geral tomem a necessária dose de tenência. É uma esperança que nos resta, acalentada por um otimismo sensato e por uma visão de longo prazo. 
                                                                       publicado em 02/11/2013

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