O serviço era simples e
demandaria menos de um dia de trabalho, mas o orçamento ultrapassou dois meses
de salário mínimo. Nada que o justificasse a não ser a vontade do prestador
que, sem constrangimento, orçou sua mão de obra a um custo mensal superior ao
salário de um magistrado ou um Ministro. O disparate me pegou de surpresa.
Poderia imaginar qualquer preço, menos o que me foi apresentado com a naturalidade
dos justos e certos. A cena não é rara. Muitos leitores já se devem ter
deparado com coisa semelhante.
Está tudo pela hora da morte, principalmente
imóveis e serviços. Estamos por aqui vivendo um momento de abusos
generalizados. Insuflados por um otimismo exacerbado, nossos conterrâneos
mudaram o patamar de seus valores. De cidade esquecida no tempo, de fim do
mundo, virou subitamente o eldorado, a terra prometida. A virada não tem feito
bem a nossa alma coletiva. Os mais gananciosos, que parecem ser muitos, subiram
o preço de tudo. Aproveitando-se da oportunidade, estão indo com muita sede ao pote:
imóveis são oferecidos a preços que não valem; serviços são cobrados como se
todos os riograndinos e os que aqui vieram morar tivessem se tornado donos de
poços de petróleo, sócios de estaleiros ou donos das plataformas produzidas. Após
tanto conviver com as durezas das vacas magras, essa gente perdeu o senso.
Enlouquecidos, acham ou pensam ter achado a galinha dos ovos de ouro e querem
que ela produza minas de ouro e não apenas ofereça cotas periódicas de sua
riqueza.
Certamente, pouca gente viu um
filme verídico chamado “El baño Del Papa”, que retrata fato acontecido na
cidade de Melo (Uruguai), no ano de 1988, quando da visita do Papa. É filme que
vale ser visto pela arte, pelo misto de drama e comédia, que nos faz rir e
chorar. A população da pobre cidade sobrevivia de pequenos contrabandos e
escambos, quando foi noticiada a visita do Papa e a impressa passou a propagar
as grandes oportunidades de negócios que isto ofereceria. O povo ensandecido
gastou tudo o que tinha e mais o que não possuía para montar algum comércio e ganhar
muito dinheiro com a rápida passagem do Pontífice. O final? Foi uma terrível
decepção. Mas todo o ocorrido só foi possível por uma combinação de fatores: a
mídia instigando e a população entrando num estado de coletivo desvario.
Salvadas as proporções, nossa noiva do Mar vive um processo semelhante.
Mas tudo passa, absolutamente
tudo: o que é ruim, passa para nosso alivio, e - do mesmo jeito – passa o que é
bom, para nossa tristeza ou nosso maior aprendizado. Agora entramos na fase de
momentânea vasante, com desemprego maciço dos trabalhadores temporários e, em
conseqüência, diminuição do fluxo dos negócios. Tudo absolutamente natural, de
acordo com a vocação dos empreendimentos instalados. Esses períodos de
entressafra talvez ajustem o senso de medida e façam com que os exploradores em
geral tomem a necessária dose de tenência. É uma esperança que nos resta,
acalentada por um otimismo sensato e por uma visão de longo prazo.
publicado em 02/11/2013
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