Por mais racionais que sejamos,
ou pretendamos ser, o final de cada ano provoca emoções, remexe sentimentos. É
uma época que mistura confusamente no balaio de nossa existência coisas boas e
ruins, emoções e sentimentos profundos mesclados simultaneamente à miscelânea
das múltiplas preocupações cotidianas. Fazendo a análise do discurso reinante,
a mensagem predominante é recheada de cenas doces, envolta em luminosas
esperanças, restando encoberto o conteúdo lodoso dos sentimentos mais sombrios,
das saudades dolorosas, das ausências amargas, dos conflitos familiares não
resolvidos, das dificuldades financeiras recorrentes.
A virada do ano é o encontro
fugaz dos ponteiros no alto do relógio, porém a meia noite de cada dia 31 de
dezembro parece autorizar que se instaure uma nova vida, inteiramente nova. A solene abertura de novo capítulo na
existência de cada um, algumas páginas de mais um ano, simbolizam um marco e
isto é o suficiente para que nessa rápida passagem se amparem decisões importantes,
mudanças significativas, talvez até definitivas.
Podemos nos aproveitar do momento
para definir um novo modo de levar a vida: deixar de fumar, por exemplo.
Decisão tão importante quanto custosa (para quem fuma) pode ser incentivada
pelo entusiasmo do Novo Ano, assim como outras tantas decisões significativas
como instituir um programa de exercícios físicos, uma dieta mais saudável, ou,
quem sabe, o tão necessário controle financeiro e, acima de tudo, o equilíbrio
emocional. Mas, para qualquer mudança acontecer, há que se pensar, refletir,
algo cada vez mais difícil na ebulição explosiva do bombardeio de estímulos
agudos generalizados. Há tanto o que se fazer, tantas necessidades imediatas a serem
atendidas: a tresloucada maratona de compras, a quase insana preparação da mais
do que abundante ceia natalina, a tensão
de equalizar contas à pagar presentes e imediatamente futuras. Para complicar o
quadro, muitas vezes o encontro natalino impõe viagem, com malas, bagagens e
despesas adicionais. Superar tantos obstáculos só é possível com uma vigilante
dose de bom senso, do contrário, torna-se um período tão turbulento que,
decisivamente, não sobram neurônios nem serenidade para refletir.
Pois para quem tenha cabeça e
reserve espaço para pensar, esse é momento mais do que indicado, uma das poucas
épocas do ano que, quebrando a rotina alucinante dos compromissos cotidianos, inspira
reflexões. E o que não nos faltam são questões a serem pensadas.
Guinadas existenciais são
possíveis a qualquer momento, basta que se leve uma puxada de tapete ou se acenda
a lâmpada da coragem para a transformação desejada, mas são mais propícias
neste pedacinho de cada ano. Porém a mudança pode ser de qualquer grau, desde o
mínimo até o máximo de 360, retornando ao ponto de partida. Afinal, nem todas
as decisões representam rompimento com o que estava antes estabelecido, podem
ser exatamente o contrário: a definitiva chegada ao derradeiro acordo consigo
mesmo, o apaziguamento dos próprios conflitos, maior de todos os avanços
existenciais. O importante, a mim parece, é que não se desperdice a magia do
final do ano, não se banalize esses momentos e se tire algum significativo proveito,
se não para virar a vida pelo avesso – extremo quase sempre contra-indiciado,
pelo menos para ajustar o prumo desapercebidamente perdido, restituindo a
importância e o significado real de nossa tão efêmera existência.
publicado em 27/12/2013
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