Num tempo muito distante, o dia
sete de setembro era celebrado cheio de orgulho e amor pela Pátria amada
Brasil. Eram tempos de inocência e pudor. Não se sabia de tantos mal feitos,
que não eram nem tão públicos e nem tão notórios. Tínhamos o coração cheio de
esperanças, nos sentíamos os filhos amados de uma mãe gentil chamada Brasil.
Estufávamos o peito e a plenos pulmões cantávamos de memória o Hino Nacional, o
Hino da Independência e fechávamos com chave de ouro, entoando o Hino
Rio-grandense. Pouco entendíamos daqueles versos cheios de palavras
desconhecidas, mas animávamos a alma com o sentimento de amor pela terra em que
nascêramos. O mês de setembro reforçava
isto com as celebrações do dia 7 e do dia 20.
A data pátria era vivida quase
sempre num dia frio, muito frio. Precisávamos enfrentar ventos gelados em fila,
treinando e aguardando nosso momento solene de entrar na Rua Marechal Floriano
e marchar no passo certo, desfilando para uma grande platéia e caprichando na
frente do palanque oficial das autoridades. Só chuva impedia que se enfrentasse
a jornada cívica, vivida com uma mistura de sentimentos intensos, envoltos em
alegre entusiasmo. Era um dia especial, solene, e todos, por pouca idade que
ainda tivéssemos, sentíamos isso. Aquele momento festivo envolvia certo
sofrimento iniciado na véspera: acertar o uniforme que precisava estar completo
sob pena de sofrer punição disciplinar, coisa muito temida, naquela época em
que tudo parecia ser tão sério. Era preciso não esquecer os sapatos pretos
caprichosamente engraxados para não fazer feio. Essa era uma etapa dura para os
que contavam os tostões e nem sempre tinham toda a farda. Aguardar o começo do
desfile poderia durar mais de hora, em pé, suportando gelados ventos, mas fazia
parte quase natural do evento, na pré-história dos direitos humanos. O frio nas
canelas, a briga com saias levantando pelo vento da esquina dos bancos, a fome
e a sede eram sofrimentos que só faziam valorizar o orgulho juvenil. Era a
época da moral e cívica, da ferrenha disciplina militar, ainda não maculadas
pelas sombras dos anos de chumbo. Os duros tratos a que éramos submetidos nos
fortaleciam, tornando mais rijos nosso caráter, pelo menos era isso que se
esperava que acontecesse. Se havia sofrimento no esforço, maior era o júbilo da
superação.
Todo o árduo exercício de
civilidade, infelizmente, não resultou numa geração exemplar, bem se pode ver.
Nesse país cada vez mais imperam eminências pardas e excelências de caráter
duvidoso, avessos do ideal de ética, honestidade e respeito. O sentido
simbólico da Independência do Brasil parece remoto, ultrapassado. Tiramos os
laços de uma monarquia, mas permitimos que outros tiranos reinados se
eternizassem, saqueando nossas riquezas e zombando de nosso povo sofrido. Que
sentimento pode habitar nossa juventude diante do colapso moral instalado nas
esferas oficiais?
A resposta tem vindo das ruas. As
últimas manifestações coletivas misturaram protestos ordeiros com atitudes
destrutivas de toda ordem. A insatisfação social pulsa em todas as gerações e
não combina com festivas homenagens. Apesar de tão negativas circunstâncias,
raiou a luz da esperança iluminando os jovens filhos da Pátria, que hão de
fazer contente a mãe gentil, Brasil.
Publicado em 07/09/2013
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