Estou próxima, bem próxima de
entrar em um grupo cada vez mais seleto: os sem carro. Está se tornando uma
questão de atitude de vida. Qualquer um, por mais alienado que seja ou pretenda
ser, consegue perceber o caos urbano decorrente do excesso de automóveis. Já
chegamos a um absurdo tal que os carros
não conseguem fluir, não há lugar para estacionar, mas segue a indústria a
despejar novas frotas a cada ano.
De minha parte, tenho o
privilegio de poder caminhar até a maioria de meus destinos diários. Desfruto
ainda a vantagem adicional de sentir prazer em caminhar, principalmente agora,
com tantas novidades para ver no caminho, a cada dia. É um prédio que se foi, é
outro que vai surgindo, gente diferente, múltiplos sotaques e carros de todos
os tipos, por todos os lados. Essa parte do cenário não é muito agradável, mas
chega a ser curiosa, pois chego a pé mais rápido, do que se tirasse o carro da
garagem, aonde ele ainda sobrevive, aguardando que dele me desfaça
definitivamente.
Todo mundo está – ou parece estar - muito
endinheirado, comprando carro zero quilômetro, abastecendo, circulando e
abarrotando as ruas. Nunca dantes na historia deste país se viu isso, para
deleite da presidente da Petrobrás, que se alegra ao ver os congestionamentos,
indiferente aos estresses agudos por eles provocados.
Sinto certa saudade do tempo em
que carro era luxo, coisa que se comprava com sacrifício e se usava com muita
parcimônia, devido aos altos custos do combustível. Tempos não tão distantes,
mas agora longínquos como a palavra parcimônia. Pensando bem, a gasolina está
bem cara, mas parece que o “povo” não se importa, pois está ganhando bem, nesse
país das maravilhas em que vivemos.
Enquanto escrevo, ouço um barulho
de carro à porta de casa e vou até a janela olhar. Pasmem! É um catador de lixo
motorizado. Não há o que não haja! Até os catadores já estão de automóvel.
Aliás, contaram-me que no bolsa família também tem muito povo motorizado. Nas
ocupações dos sem teto também o que não faltam são carros e motos. Não tem
teto, mas tem carro, celular, TV, moto... Está certo, está certo, o sol, o céu
e o automóvel “nasceram” para todos.
De cima a baixo, há carros para todos os
bolsos e gostos. Os “mais-mais” compram modelos de luxo, cada vez mais sofisticados
e caros, dignos de quem possa gastar fortunas; os que menos podem compram
modelos baratos, de preferência zero quilômetro – como se encontra nas portas
de precárias moradias de periferia. Carro e celular, todo mundo tem ou em breve
vai ter o seu. Todo mundo iludido, achando que vai dar para manter a farra de um
mundo assim. Gente que ainda se ilude com o status emprestado pelo automóvel;
gente que sustenta sua auto-estima amparada no carro que dirige. Gente que
precisa disto e de tudo o mais que possa ser comprado e vendido na inventada
felicidade do universo do insaciável consumo.
Pois agora, diferente de outras
épocas, o maior luxo existencial é precisar menos e por isto, ter menos. O
pensamento de vanguarda está no glamour da vida simples, que diminui
compromissos e problemas e torna tudo mais fácil e, de quebra, mais saudável.
Em relação ao carro, o benefício para a saúde de prescindir dele e caminhar
mais nem precisa ser mencionado. Outro beneficio menos pensado é que ao se
gastar menos, também se paga menos impostos, atitude política que serve de
protesto contra os desmandos do governo. Logicamente, deixar de ter carro exige
certa dose de autoconfiança, capaz de enfrentar a desvalorização social
decorrente de passar a pertencer ao grupo dos desprovidos. Mas, para quem tem a
audácia de pensar pela própria cabeça, essa é a parte mais fácil.
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