Os padrões mudam com o passar dos
anos, faz parte da transposição das épocas. De uns tempos para cá, por exemplo,
se percebe que juventude vem se tornando uma faixa etária cada vez mais
elástica. Agora, por lei, se estabelece que até 29 anos a pessoa seja jovem.
Chega-se à fase balzaquiana da vida com direitos e vantagens especiais dadas a
colegiais, igualados todos na ampla faixa dos 15 aos 29 anos.
Até tempos recentes, rituais de passagem
demarcavam momentos de vida, estabelecendo fronteiras entre uma fase e a
seguinte. Crianças eram crianças, usavam roupas de criança, viviam liberdade
vigiada, tinham direitos restritos e não gozavam acesso ao mundo adulto –
universo das responsabilidades, das consequências e dos interesses sérios.
Entre a vida infantil e a plena vida adulta, se espremia um transitório período
de curta adolescência que, como febre, vinha agudo, forte e passava rapidamente,
oprimido por repreensões de todo tipo: “deixe de ser infantil, você já não é
mais criança”, “você ainda não é adulto para isso...”. Adolescência era o tempo
de não ser ninguém, não poder mais brincar, mas ainda não gozar dos benefícios
da maioridade. Não era um bom momento, ninguém quereria permanecer adolescente.
Crescer e virar adulto trazia muito maiores vantagens. Os demarcadores de
fronteira eram biológicos e etários: pela puberdade se deixava de ser criança e
aos 18 anos, pelo ingresso no mundo do trabalho ou numa universidade, se
abandonava a adolescência e assumia a maturidade adulta. A maioridade
estabelecia uma condição adulta plena. Não se ficava “meio-adulto”, era preciso
encarar a vida de frente, assumir conseqüências de seus atos, sem atenuantes. Não
tomar rumo sério aos 18 anos era coisa preocupante e situação socialmente censurável.
Lembrando como acontecia a
evolução do desenvolvimento até bem recentemente, dá para perceber a dimensão
da mudança. Foi uma verdadeira virada. O ouro da existência, antes colocado na
etapa adulta, está cada vez mais centrado na juventude, a qual tudo se permite
e pouco se cobra. No grande baú da juventude e da vida estudantil estão alunos
de primeiro grau, misturados com mestrandos e doutorandos, todos na mesma,
desfrutando passe livre. Todos juntos e misturados como se estivessem em
situações iguais, confusão típica desta época de muitas ações e raras
reflexões.
Até quando, afinal de contas,
alguém merece – ou precisa – ter proteção pela condição especial de sua
“juventude”? Nas qualificações apresentadas em noticias de jornal, por exemplo,
se confirma que identidade profissional se sobrepõe à condição etária: quem
trabalha deixa de ser chamado “o jovem de 25 anos” para ser qualificado por sua
profissão, seja pedreiro ou engenheiro. Quem tem profissão e vive de seu
trabalho já não é mais nomeado como “jovem”, indiferente da pouca idade que
possua. Como uma insígnia, o trabalho institui maturidade, estabelece plena
condição de autonomia – ingrediente básico à vida adulta. Vale lembrar que se
tem muita gente chegando aos 30 anos sem saber que rumo dar a sua existência,
há um seleto pelotão de mesma idade com profissão definida, como advogados,
médicos, professores, engenheiros, promotores, delegados, juízes e trabalhadores
de todos os ramos e etc. Gente moça que se comporta e vive de forma adulta,
para o bem geral da nação.
Também a graduação no nível
superior de ensino estabelece (ou deveria estabelecer) uma nova identidade
pessoal, mesmo que prossigam estudos de pós-graduação. Alunos de mestrado e
doutorado deveriam ser chamados de pesquisadores, pois se dedicam à pesquisa, mas
estão habilitados a desempenhar profissões ditas de nível superior. Mas são
todos acomodados no confortável baú da vida estudantil: são todos estudantes. Essa
juventude estendida leva a atrasos no desenvolvimento vital: as pessoas
crescem, mas não amadurecem, resistem teimosamente a deixar o conforto e a
proteção quase divina do lar paterno e das isenções legais. Talvez por isso se comportem
coletivamente tantas vezes como rebeldes colegiais. Essa juventude estendida é
o retrato fiel de uma sociedade permissiva, de valores confusos e conceitos
equivocados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário