Em meus distantes tempos
acadêmicos, descobri o sabor que se pode tirar de um mísero café instantâneo.
Minha melhor colega de estudos era mestre no café batido. Quando o cansaço
invadia a madrugada de estudos ela pegava uma xícara, colocava uma colher de
café instantâneo, açúcar e algumas pitadas de água: batia, batia, batia,
enquanto prosseguíamos sem a recitar a matéria estudada. Quando surgia um creme
cor de café com leite, a colega o distribuía nas xícaras, colocava água quente
e sorvíamos o mais doce energético, espantando o sono e revigorando o cérebro.
O café nosso de cada dia ou a receita do mais simples dos bolos podem resultar muito
diferentes conforme o modo como sejam feitos.
Nas situações mais delicadas da
vida acontece o mesmo, o modo de fazer as coisas faz toda a diferença. Gestos simples
podem se revelar mágicos ou desastrosos; palavras banais podem amparar ou produzir
tragédias, transformando cenas cotidianas em momentos difíceis de esquecer,
para o bem ou para o mal. Na semana que passou, por exemplo, a tripulação de um
avião levou ao pé da letra orientações de segurança e, desinformada, agiu
desastradamente com uma família. Num misto de insensibilidade e falta de senso,
a equipe exorbitou no trato a uma criança com problemas de pele. A situação
resultará em processo judicial e só não causará mais danos à criança vitimada
pelo apoio solidário que lhe foi oferecido. Tudo poderia ter sido diferente, bastava
uma pequena dose de bom senso evitando constrangimentos desnecessários.
Para nossa boa sorte, há situações
em que ocorre exatamente o contrário: bons modos capazes de reverter situações adversas.
Em minhas lembranças guardo a recordação de uma oficial de justiça com quem
trabalhei na Justiça do Trabalho. Na época eu era uma jovem estudante
universitária e ela me parecia muito mais velha do que deveria ser. Quando essa
oficial assumiu sua função foi uma revolução no cumprimento dos mandatos. Até
ali tudo era feito como devido, com as formalidades e desumanidades de estilo.
Quem devia era cobrado, executado e pronto. Nada de excessos ou
irregularidades, apenas o restrito cumprimento formal da lei. Pois chegou a nova
oficial e tudo mudou radicalmente. Aquela senhora, que usava e abusava de
diminutivos, tratava carinhosamente a todos e conseguia angariar simpatia mesmo
dos mais renitentes devedores. Além do trato afetivo com que lidava com as
pessoas, dava-se ao trabalho de sentar e gastar seu tempo buscando soluções no complicado
orçamento dos executados. Caso possivelmente único na história das execuções
judiciais: com equações financeiras, longa conversa e muitos cálculos, o
devedor se convencia de que poderia pagar e, para pasmo geral da repartição, na
maioria dos casos as mais difíceis dívidas eram cumpridas. Mesmo nos casos de
penhora de bens aquela gentil criatura era capaz de tornar o ato menos
dramático, encontrando soluções mais dignas. Quando de sua transferência para
sua cidade de origem, não foram poucos os devedores que lamentaram sua perda.
Ela fazia falta a todos: aos que esperavam ver o dinheiro que lhes era devido e
aos que, pelos revezes da vida, de negociantes e patrões haviam se transformado
em reles devedores da Justiça.
Cito o caso para mostrar que
mesmo a complicada profissão de Oficial de Justiça, de cobrador judicial, pode
ser executada de tal modo que amenize a dureza da função, revestindo de
humanidade situações constrangedoras. Infelizmente, muitas vezes o que se vê na
vida atribulada de todos os dias é exatamente o contrário: gente que desenvolve
profissões humanísticas de forma fria, formal, burocrática. Pessoas que agem
com completa indiferença aos dramas humanos que lhes passam à frente. Na esfera
pessoal também sobram exemplos de maus modos de agir. Há tanta gente que esqueceu
a noção de gentileza, de tolerância, de generosidade; gente que não sabe fazer
agrados, mas abusa da capacidade de desagradar.
Muitas vezes não há nada de
errado com o ato praticado em si mesmo, mas foi perdida a oportunidade de se fazer
melhor, de se fazer o bem feito. A diferença entre a crueldade, o azedume ou a
doçura da vida está na sutil maneira de agir, capaz de amenizar as durezas da
existência com pequenas colheradas de gentileza.
publicado 24/08/2013
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